quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Özpetek

Quando eu era pequeno, sempre ficava impressionado com o que as professoras sabiam. Especialmente as de português. Eram tantas regras e detalhes e exceções. Eu imaginava que jamais seria assim, que jamais saberia tudo aquilo. Esse ano, porém, em uma das minhas aulas, eu transitava sem dificuldade em classificar adjetivos, advérbios, substantivos, preposições e conjunções. Eu sabia também aquilo que elas sabiam. E era simples. Era simples. Eu me dei conta disso espantado.

No Ensino Médio, uma professora de Literatura me impressionava muito. Ela sabia todas as histórias, ela compreendia detalhes que nós, ávidos de tudo, deixávamos passar. E o Deus, assim como o Diabo, está no detalhe. Ela contava aquelas histórias todas e nos fascinava e eu ficava imaginando que técnica ela usava para saber, para lembrar, para não confundir. Hoje eu sei. Eu sei que não há técnica além da paixão. Não há outro registro senão o amor por aquilo que se lê, que se estuda, que se vê.

Sobre filmes o mesmo acontecia. Nunca diferenciei diretores e achava até pedante quando laureavam esse ou aquele como o preferido. Eu sempre acompanhei com certa distância a fascinação da Martha Medeiros por Woody Allen, por exemplo. 

Hoje me surpreendi com isso. Em uma lista sobre filmes com escritores, selecionei “O primeiro que disse”. Os cenários, a força dos personagens, as falas sublimes, tudo me colocou um sorriso no rosto e um nome na cabeça. Sim, de repente eu me vi pensando “Mas isso é  de Ferzan Özpetek!”.

Quando os créditos subiram, prestei atenção. E era. Lógico que era. Sem perceber, a gente vai atingindo patamares do que antes não sabíamos ser possível. Reconhecer uma classe gramatical, saber de cor os detalhes de um livro, reconhecer o estilo de um diretor. Tudo isso faz parte do nosso crescimento e do nosso aprendizado. Há ainda muito que me impressiona e que me faz pensar: “mas isso eu não saberei jamais”. Nomes de teóricos, por exemplo e suas citações literais.

De qualquer forma, essa tarde e esse filme foram importantes pelas lições. Especialmente por uma das personagens, a bala perdida entre elas. A delicadeza e o brilho no olho me fizeram perceber, outra vez, o porque eu escrevo. É por isso: delicadeza e brilho no olho. Eu quero, algum dia, chegar a emocionar tanto com uma obra quanto me emocionam os filmes de  Özpetek.

Eu quero saber desenhar as palavras exatas que mexam com a alma de alguém. É uma aprendizagem. Longa, ainda distante, mas é uma aprendizagem pela qual vale à pena se dedicar. Porque é assim que se tece a vida, aprimorando-se, chegando a pequenos impossíveis, atravessando barreiras e praticando tudo com um toque de naturalidade, de inconsciência até. Para que, algum dia, fazer aquilo seja simples. Escrever seja simples, emocionar seja simples. Encantar, enfim, seja tão simples quanto respirar ou reconhecer um filme de Ferzan Özpetek.



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