segunda-feira, 21 de julho de 2014

Do lado

É preciso não sentir. E se, por um descuido, uma fatalidade, uma distração, algo se sentir, então é preciso calar. Sentir e falar o que se sente é sempre perigoso. É um risco sem tamanho expor as suas profundezas se ninguém quer, realmente, mergulhar nelas. O mundo é todo feito de superfícies. Só tocamos a aparência das coisas. Só ficamos na camada mais externa possível. É essencial, portanto, que só coloquemos à mostra essa mesma camada. Só a pele, só o rosto, só as mãos (e essas ainda com cuidado, com cuidado...). Só o que é extremo e pode respirar tranquilo do lado de fora merece ser dado à luz.

Por fora ainda há a ilusão e deve-se, impreterivelmente, permanecer-se nela. Por dentro somos feitos de ascos, lava, lama e monstros. Há petróleo correndo negro pelas profundezas dos nossos porões.

Por isso o que está dentro deve ficar dentro. E as palavras são escapes, são armadilhas, alçapões que se abrem velozes e deixam escapar sentires. As palavras voam como morcegos, destroçando telhados, invadindo com sua escuridão o dia e revelando com seus gritos o maior horror que há: por dentro somos, todos nós, humanos.

E de repente nosso interior está na praça, no palco, na luz do picadeiro. E o circo é de horrores. Não é uma foto, um livro, um risco, um riso. É um homem. É um homem aquilo ali.

Um comentário:

  1. Não entendo essa cultura de compartilhar dores e problemas e esconder a alegria. O nosso bem, o nosso sentimento, ofende o próximo.

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