quinta-feira, 18 de julho de 2013

Os que eu não sou

Não sou do tipo que dança nas festas. Sou do tipo que um dia se mata. Qualquer frase que contrarie essas sentenças, não sou eu. O que enxergam quando é para mim que olham?

Eu não posso enganar. Eu não sei mais mentir. Sorrir falsamente, cantar o que todos cantam, escrever o que todos escrevem. Eu não sei. Eu desaprendi ser os outros. Logo eu, que já fui tantos, hoje sou só eu.

E eu queria que me reconhecessem por isso. Eu queria que as sombras do que eu não sou não pesassem tanto sobre mim. Mas pesam. Pesam porque cada vez que vocês dizem como eu não sou, subentende-se a maneira como vocês gostariam que eu fosse. 

Eu sou sempre menos do que vocês queriam.

Há alguém que goste do que sou?

Queriam que eu dançasse. Queriam que eu risse. Queriam que eu saísse. Queriam que eu bebesse. Queriam eu tivesse dois empregos. Queriam que eu escrevesse crônicas amenas. Queriam que eu ganhasse dinheiro. Queriam que eu calasse a boca. Queriam que eu tivesse uma plantação. Queriam que eu tivesse uma casa. Queriam que eu fosse pacífico. Queriam que eu fosse dócil. Queriam que eu aceitasse tudo. Queriam que eu relevasse. Queriam que eu me omitisse. Queriam que eu trabalhasse de graça. Queriam que eu fosse incompetente. Queriam que eu transformasse a vida de alguém. Queriam que eu autografasse. Queriam que eu publicasse. Queriam que eu escrevesse a história de um gato. Queriam que eu quisesse tudo isso.

E eu não quero.

Não tudo. Não agora.

O que eu queria era que me deixassem ser essa coisa intrincada, confusa, introspectiva e imatura que eu sou. Queria que não me atirassem na cara o quanto me queriam melhor. A cada frase, o que me esbofeteia é o quanto eu não sou bom o bastante para quem fala. Cada pequena sentença vem em tom de acusação. Diz assim: "Você não é isso. Eu queria alguém que fosse, mas você não é. Por que você não é, se eu queria?"

Estou cansado. Estou cansado dos meus não seres. Eles pesam muito. Muito mais do que aquilo que sou.

Sou o que lê, o que fica, o que observa, o que pensa. Sou o calado, o que se esconde, o que escreve para não se entender. Sou o que pesa, pondera, qualifica, o que responde, manifesta, ri quando acha graça e silencia quando tudo mais é agitação. Sou o que espera as tempestades. Sou o que ama, faz poesia e sonha. Sou o que lida com o insustentável, o que fantasia, que fotografa e estuda por horas um inseto de jardim. Sou o que pinta, o que repara, o que pensa, o que brinda sozinho e olha, pela janela, a lua. Sou o que diz mais do que deve, pensa mais do que sente e não consegue, simplesmente não consegue ser diferente.

Compreendam, por favor, compreendam: eu não sou os que eu não sou. 

Os outros são. Eu não.

E se o que eu sou não basta, compreendam isso também: eu sou daqueles feitos para serem deixados no caminho.

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Publicado originalmente no blog Febre Crônica.