quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Nem tudo que rima é sinonímia


Um ditado diz: "não confunda alhos com bugalhos". Outro, mais propício às mesas de bar, vai além: "não confunda bunda com funda". Chulo, eu sei, mas por ora serve ao comparativo que preciso fazer.

Esses ditados aproximam palavras de significações diferentes.As duas possuem entre si apenas um traço comum: a rima. Pode-se confundir o significado de duas palavras porque rimam simplesmente? Não sei. Deixo isso aos amigos linguistas, minha paixão é a análise literária.

O fato é que, pelos últimos dois anos, eu tenho visto outras palavras rimadas serem confundidas ao limite: experiência e competência.

A confusão é tanta que eu, mesmo seguro, recorro a um dicionário (Luft) para explicá-las melhor:

"EXPERIÊNCIA: s.f. 1. Ação ou efeito de experimentar(-se). 2. Prática; conhecimento; perícia. 3. Ensaio; tentativa; demonstração. 4. (Filos.) Conhecimento transmitido através dos sentidos."

"COMPETÊNCIA: s.f. 1. Qualidade de competente. 2. Alçada; autoridade; jurisdição. 3. Idoneidade; aptidão. 4. Habilidade, saber."

Palavras diferentes, significados diferentes. Nem preciso consultar um dicionário de sinônimos para ver que lá também elas não se equivalem. Logo, uma pessoa que trabalha há 20 anos na mesma função, ou seja, tem conhecimento de todos os trâmites e práticas, possui EXPERIÊNCIA. Uma pessoa que faz bem o seu trabalho, de forma habilidosa, comprometida e apta – independente do tempo de trabalho – possui COMPETÊNCIA.

É possível trabalhar 20 anos em um cargo e ser incompetente? Lógico. Basta para isso ser relapso, ter uma formação ultrapassada, acomodar-se e tudo mais. Alguém pode argumentar que uma pessoa assim jamais se manteria no emprego por tanto tempo. No setor privado, possivelmente, não...

Por outro lado, é possível uma pessoa estar há seis meses em uma empresa e ser competente? Sim. Apesar da sua experiência naquela função ser limitada, uma formação de qualidade, seu empenho e sua aptidão para sua função podem fazer dela uma pessoa dotada de grande competência.

É possível, ainda, que as duas qualidades estejam ausentes na mesma pessoa, o que a torna um caos completo. O governo têm se preocupado em garantir a formação de um número gigantesco de pessoas. A qualidade dessa formação, no entanto, têm estado com sérios problemas de nanismo. Muitos recém-formados saem da faculdade sem ter a mínima noção necessária para exercer, de fato, a profissão que escolheram. Esse despreparo gera incompetência o que, certamente, vai truncar a aquisição de uma experiência duradoura na área.

Por fim, há ainda, evidentemente, quem una de forma brilhante os dois vocábulos. Pessoas fantásticas, com décadas de experiência, que são competentíssimas no que fazem. Essas são minha inspiração. Gente que não parou no tempo, que sabe da importância de estudar sempre, de se renovar sempre e de se manter informada e culta. Pessoas assim, inclusive, jamais confundem competência e experiência.

De todo modo, por mais que eu me desdobre tentando, não consigo compreender a confusão que os outros fazem entre estes dois termos. Seria porque faço parte de uma geração que nasceu sem verdade absoluta? Aprendi desde novo a relatividade das coisas, as transformações constantes em todos os campos e, de modo destacado, a necessidade da mudança para haver evolução.

Há décadas se ultrapassou a concepção de que funcionário bom é aquele que morre no mesmo cargo. Funcionário bom, hoje, é aquele que é promovido, que amplia seu campo de opções, que pode e quer e precisa crescer sempre. Aposentar-se no mesmo cargo que começou deixou de ser um status. Assim como aposentar-se e ficar em casa esperando a morte chegar deixou de ser única opção.

Estamos na era do instantâneo, na qual o valor da informação (e da formação, às vezes) é dado pela sua atualização. Sem atualizar-se constantemente qualquer profissional, mesmo o recém-formado, já está ultrapassado. Em meio a tudo isso, a experiência continua válida, sem dúvida, sendo um facilitador para obter-se a tão desejada competência.

Mas vejam bem, eu disse um ‘facilitador’. Experiência e competência não se anulam, podem perfeitamente conviver fazendo uma parte da outra. Mesmo assim, elas não se equivalem, elas não são interdependentes.

Na justiça (pelo menos na teoria) todos são inocentes até que se prove o contrário. A suposição positiva, portanto, permanece. Por que, no mercado de trabalho, o contrário ocorre? Todos são incompetentes até que provem o contrário. E para quem essa prova deve ser dada? Aos superiores? Aos clientes? Aos colegas mais ‘experientes’, talvez?

Como explicar que chamem de incompetente quem acabou de se formar pelo simples fato de não ter exercido a profissão anteriormente? Como classificar como competente aquele funcionário formado há 20, 30 anos e que jamais fez um curso para atualizar-se e – se duvidarem – ainda escreve “ele” com acento circunflexo?

E a pergunta maior: como eu faço para entender isso? Eu, sinceramente, não consigo estabelecer uma lógica. Se alguém mais experiente puder me ajudar, agradeço a paciência e, de quebra, ainda elogio, enfaticamente, a competência.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Trevo de três folhas só


Às vezes quem está de fora tem uma visão 'mágica' da sua vida. As pessoas tendem a pensar que tudo que você conquista é uma questão de sorte, favorecimento divino, astral ou puro apadrinhamento mesmo. E elas acham, então, o mundo injusto. “Por que as coisas boas só acontecem com os outros? Por que só eu é que nunca me dou bem?”

As mesmas pessoas, no entanto, não sacrificariam aquela festa de final de semana para ficarem em casa, estudando. Elas não passariam uma tarde de chuva, propícia para um boa soneca, trabalhando sem ganhar recompensa alguma por isso. As mesmas pessoas que dizem não ter ‘sorte’ no amor, são aquelas que acham um máximo “pegar” quinze em uma noite.

Por favor, sejamos coerentes. Concordo com Thomas Jefferson: "Creio bastante na sorte. E tenho constatado que, quanto mais eu trabalho, mais sorte tenho"

Sorte existe? Existe. Favorecimento divino existe? Existe. Apadrinhamento existe? Existe. Mas esses itens são como animais em extinção. Se você não tem nada disso – e eu mesmo não tenho – a solução mais simples é uma só: trabalhar. Eu sacrifico todos os dias uma porção de ‘vontades’ em troca de necessidades. Shows, festas, bebedeiras e badalações ou artigos, pesquisas, leituras e revisões? Segunda opção para mim, por favor.

Eu me divirto também, lógico. Eu saio também. Eu bebo também. Mas bem menos do que minha idade permitiria. Por quê? Porque eu tenho ideais. E porque eu sei que “deus” nenhum, “mágica” nenhuma, “indicação” nenhuma vai aparecer, exceto se EU fizer aparecer, exceto se EU me esforçar e fizer realmente por merecer.

Nada me veio fácil. Nada me “aconteceu” simplesmente, por jogo de destino ou sorte. Cada conquista, por mais humilde que seja, foi fruto de dedicação e sacrifício. E continua sendo. Quanto mais oportunidades, mais trabalho, mais preocupações, mais incômodos. E eu reclamo? Não. Eu faço. Faço porque é por mim.

Já me ofereceram atalhos, caminhos fáceis, e eu recusei. Não importa em que lugar eu vou chegar, desde que seja pelos meus próprios meios. Se for por competência e esforço, ótimo. Se for por amizade, fico lisonjeado – mesmo - mas não, obrigado. Eu preciso ter certeza do meu merecimento. Sempre precisei.

Enfim, cada vez que você considerar alguém uma pessoa de “sorte”, pense em quanto esforço há por trás de suas conquistas. Se você quer ter as mesmas oportunidades que ela, as mesmas vitórias, não se preocupe com essa pessoa, mas com o que VOCÊ está disposto a fazer e a sacrificar. 

Quer sorte? Ótimo. Trabalhe duro e chame as consequências – que certamente virão – de “sorte” ou daquilo que você quiser chamar. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O sentido de um sentir


Quando ficou sozinho, depois da festa, precisou entender o que sentia. E como entenderia? Pelo seu modo natural de entender as cosias, vendo-as refletidas por fora.

Foi ao baú dos LPs e procurou. Revirou cada disco. Leu o nome das músicas, ouviu trechos de algumas, pensou em outras que nem sequer tinha mais. Nada. Nenhuma música lhe cantava o que sentia.

Partiu para as estantes estalando de livros. Descartou de cara a prosa. O que sentia era poesia. Percorreu lombadas com os dedos, virando a cabeça ora à esquerda, ora à direita. Folheou páginas de sonetos, com rimas e sem rimas. Leu trechos em voz alta, em voz baixa, silenciosamente. Leu em inglês, em espanhol, em pitadas de russo, em português até. Nada. Nenhum dos seus poetas jamais escrevera sobre que ele sentia.

Foi à janela. Olhou as estrelas e sentiu o cheiro gelado da noite. Tocou as grades frias, seu próprio corpo quente de febre, a seda verde e escura das cortinas. Nada. Nenhuma sensação, nenhuma visão, nenhum cheiro traduzia o que lhe passava por dentro. 

Tentou então encontrar palavras. É só pela palavra que o homem domina. Que nome dar? Os nomes velhos já não serviam. Era carnal para ser esperança. Era azul para ser amor. Tinha delicadeza para ser paixão, pulsação para ser carinho e pelos demais para se chamar liberdade. Como era então? De repente lhe ocorreu: era peito-explodindo-por-dentro.

Era novo. 
E era bom.

Peito-explodindo-por-dentro. Repetiu, e seu sorriso desabrochou inteiro. Deitou na cama, mas não dormiria aquela noite. Nem em muitas outras mais. Não dormiria até a explosão se manifestar do lado de fora. Até ele ser 'eu-explodindo-inteiro'. Só então ele teria terminado a busca. Só então ele entenderia, completamente, o sentido do que sentia.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Meu vício

Eu espero. Espero a casa toda se acalmar. Espero que até os cachorros durmam. Espero que os vizinhos saiam para trabalhar. Qualquer um deles, se me visse, saberia para onde vou e daria o alarme.

Eu não precisaria ir. Eu tenho em casa. Tenho mais do que poderia usar. Escondido nos armários, pelo chão, em todas as gavetas, nas mochilas todas, sobre as cômodas. Eu tenho. Tenho o suficiente para cinco ou seis overdoses. Mas basta? Não basta.

Na verdade eu nem queria ir. Não deveria ir. Eu tenho minha vida já toda bagunçada. Mais disso só me traria problemas. Faria com que eu atrasasse tudo ainda mais. Eu prometi. Mil vezes eu prometi a mim que iria parar. Segurar por umas semanas, pelo menos. Dar um tempo...  só por enquanto. Tentar me manter sóbrio, de cara limpa. Mas como? Como se a realidade é feia e as pessoas são brutas?

Só o vício ameniza.

Eu ando pelas ruas como andam os criminosos todos. Cabeça baixa, andar rápido, olhar sempre desviado. Encarar o outro - o são - é mortal. A vergonha é grande. Vergonha de trair especialmente a mim. Eu havia prometido... Então eu sou meu próprio traidor? Sim.

É porque sou fraco diante do vício.

Atravesso a cidade e sinto que muitos já sabem. Os do meu caminho já intuem. Já sorriem. Eles sabem... Tantas vezes eles tentaram me avisar. Procuraram meus pais até. Quando me viam, antes diziam assim: "Pare com isso, meu guri. Isso não fez bem, nem pro corpo, nem pra cabeça. Tu ainda vai te arrepender.... Pare enquanto é tempo"

Eu não parei e eles desistiram. Que eu me danasse, então.

Às vezes me arrependo. Mesmo. Às vezes penso que se eu os tivesse escutado... Me fez mal mesmo. Para o corpo e a cabeça. Deixou sequelas. Só agora eu sei. Mas agora já estou perdido. Agora não adianta. Não adianta o olhar impassível dos pais. Não adiantam as súplicas silenciosas da namorada. Mesmo eles já se conformaram.

Porque no fundo no fundo eles sabem: não podem me fazer escolher. Se eu tivesse que escolher entre qualquer coisa e o vício... 

Eles sabem.

Quando vou chegando ao local, estremeço todo. Entro disfarçado, cobrando ainda a minha culpa. Eu não deveria. Eu não poderia. Isso destrói minha paz já tão delicada.

Há aulas, há mestrado, há um livro por revisar, outro por reescrever... Como eu posso me permitir assim? Como eu posso me entregar, ser tão inconsequente? Não sei.

Não sei, mas posso.

Eu sou fraco. E já não sei se a fraqueza é motivo ou álibi. Também não importa.

Quando chego na boca lá estão elas. Só sorrisos. Aliciadoras é o que são. Mas sorrio também, já inebriado pelo cheiro. Lá meu vício sorri comigo. De todos os lados. E elas me tratam com deferência. Porque sabem que eu pertenço àquele lugar. Elas sabem que eu sou dos condenados. Dos que já não têm mais volta.

Elas sabem que é só isso que ameniza os dias. Só isso que permite fugir da realidade prenhe de caos. Só isso que amplia a visão, a percepção, o êxtase, só isso que faz 'viajar'...

Elas sabem. 

E como são maldosas. Uma delas já diz logo que separou para mim do melhor. Que outros clientes queriam, mas ela não deixou que levassem. Que é mesmo do bom e que veio ainda semana passada. Tinha quase meu nome escrito nele.

Eu pego. Olho bem. Cheiro.

Esqueço minhas promessas. Esqueço minha vida e a tentativa de mantê-la ordenada. Que me interessam as outras coisas?

É esse mesmo! Eu quero! Eu preciso!

Lá no fundo, avisos espocam: NÃO! Eu não deveria. Isso significa mais atraso, mais atrapalhação, mais nãos, mais caras feias e compromissos quebrados, isso significa a caída mais para o fundo do poço... Não!

Eu não devia, mas eu quero.

Quero e pego e saio. Saio escondendo-o. Embora todos notem. Todos saibam. Chego em casa e olho para minha vida espalhada sobre a cama: os cadernos, as pesquisas, o notebook ainda ligado... Tudo poderia ser tão bom se não fosse meu vício. Tudo seria feito, seria resolvido, seria entregue... Mas há o vício. E não posso com ele, então me entrego...

Deixo tudo de lado. Pego o que trouxe da boca. Abro. Cheiro mais uma vez. E é mesmo do bom.
Enfim, começo a ler.




Estou perdido. Eu sei. Porque para o meu vício não há cura.
Maldita seja essa [bendita] da leitura.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A menina que podia [e a que não podia] voar



A menina... a menina... é o dia da menina voar.

Eu a procuro bem cedinho, dou banho, lavo os cabelos com cheiro de amora, coloco neles a faixa amarela. Escovo até brilharem feito sol. E é de sol também o sorriso dela. Depois, coloco nela o vestido novo, todo limpo e lindo. Arrumo o volume da saia, deixo que ela use os chinelinhos tão queridos... Seguro sua ansiedade comigo e faço-a prometer que não vai sair voando antes do tempo. Ela promete, sorrindo toda.

Também recomendo o que recomendaria qualquer mãe zelosa: “Sem se sujar, heim, meu amor?”. Ela diz “aham”, como eu mesmo dizia à minha mãe.

Depois eu me distraio. Cuido das coisas de um adulto cuidar. Providencio tudo para que ela voe, corro, me distorço me faço e desfaço. Passo por cima de tudo que é constrangimento em mim. Para que ela esteja linda. Para que ela voe.

Quando a chamo de volta, ela não vem.

Chamo de novo, pelo nome que só eu sei...

E nada.

Então vou procurá-la. E no quintal, escondida debaixo dos pés de azaleia está ela. Cabelos em desgrenho e nós. Rosto sujo de terra - e sangue até. Arranhões nos braços, lama no branco do vestido. Só um chinelo no pé. Do outro já não se sabe.

Quando me vê ela se encolhe, como se eu lhe fosse aplicar qualquer bofetada. Não. Ajoelho-me junto a ela, cheio de choro nos olhos. Ela ergue o próprio rosto, olhos úmidos também, vertentes d’água. Pede perdão e me abraça forte, sujando de barro meu próprio casaco.

E eu não entendo! Ela não é assim. Não é de artes tamanhas. Não a minha menina. Justo no dia de voar.... Não falo nada. Ela também não. Só ficamos abraçados, o sangue do seu rostinho deixando frinchas vermelhas na minha camisa.

Pego seu rosto entre as mãos, olho no fundo dos olhos, vejo dois lagos castanhos e neles uma tristeza imensa. Beijo um, depois o outro. E então ela desata, entre soluços, a falar:

“Foi ela. A menina aquela. Passou e me viu. Perguntou se era hoje meu voo. E eu disse que sim. Daí ela não perguntou mais nada. Só disse que era para eu aprender de uma vez. Que eu não aprendia mesmo... E que se ela não voava, eu não voaria também. Então vieram as pedras e os arranhões e as bolotas de barro. E ela me deixou toda assim. Desculpa eu?”

- - -

Naquela noite, apesar de tudo, tudo, tudo. Apesar dos impedimentos todos. Apesar do descaso. Apesar da sujeira. Apesar dos arranhões. Apesar da lama no vestido. Apesar do chinelo perdido. Apesar da maldade da outra. Apesar do medo, especialmente apesar do medo, que a minha menina tinha do dragão da lua, ela voou. Lindamente ela voou. E eu, ainda com seu sangue e sua lama na minha própria roupa, aplaudi forte.

Os que olharam, fascinados pela beleza dela, não repararam no estado de suas roupas, na sujeira de sua pele, nos nós do seu cabelo. Era uma menina. E voava!

E a ninguém também importou a garotinha má e indelicada. Atirando pedras para cima. Essa nunca voaria. Porque é preciso de alma para voar.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

De vento em voo

Amanhã.

Amanhã é a noite da realização de um sonho. E eu queria muito escrever sobre o que eu sinto. Sobre o que me trouxe aqui. Mas as palavras já me estão engasgadas.

No Febre Crônica, blog em que eu escrevo às segundas, há uma noção do que se passa nos bastidores do meu peito. Para ler, é só clicar aqui.


Um obrigado especial a quem em acompanha e desde sempre torce por mim.