quarta-feira, 9 de maio de 2012

Lydia e a rosa


Na oitava série a poesia era muito próxima de mim.

Ela estava nas minhas agendas, no fim dos meus cadernos, nas folhas arrancadas, atrás das provas de matemática, nas paredes do meu quarto, na minha pele, no balanço que eu só visitava à noite, na calçada da minha casa, nos papéis amassados, nas cartas jamais enviadas, nos livros devorados e até no silêncio que eu fazia me cercar.

Na oitava série os poetas eram muito distantes de mim.

Eles estavam nas fotografias em branco e preto, nos nomes pomposos dos jornais de longe e na tela iluminada de uma televisão qualquer.

Nunca aqui.

E então chegou Lydia. Em um trabalho de escola. Na época eu aceitava a ilusão de que ela era mesmo daqui. E não desmentiam em nós a crença. Só mais velho eu soube que a “autora taperense” havia nascido em Guaporé. De qualquer forma, naquele tempo conheci suas obras consegui me encantar por elas.

Ao contrário de muitas cidades que louvam escritores medíocres pelo simples fato de serem locais – e de bancarem a publicação de ‘livros’ – todo reconhecimento de Lydia é merecido.

Suas metáforas são de uma beleza singela, sua linguagem é rica e seu ritmo se mantém delicadamente. Taperense ou não, o fato de Lydia Mombelli da Fonseca ter sido apresentada como “daqui” fez com que, de repente, poetas e poesias se encontrassem em mim.

Naquele instante brotou a certeza de que se a Lydia conseguia escrever desse nosso fundo de mundo, eu também conseguiria. Foi, talvez, pelo exemplo de Lydia que meus papéis ganharam asas. Que minhas palavras não ficaram escondidas no fundo das gavetas – como era o destino delas. Lydia por muito, muito tempo me serviu de inspiração. Não de temáticas, mas de vida.

Suas palavras tiveram tanto eco em mim que lembro ainda hoje de um soneto a respeito de uma rosa amarela. Nele a poetisa dizia que sua alma não poderia ser tomada de mais encanto do que se alguém, algum dia, depositasse em seu jazigo uma terna rosa amarela.

Eu lembro de ter arquitetado o plano todo. Primeiro eu trataria de descobrir onde ela estava enterrada, depois compraria a rosa e – por fim – lhe prestaria minha homenagem, indo ao nosso cemitério. No entanto, foi só falar com minha mãe para descobrir que Lydia não havia sido enterrada aqui.

Ficou sem minha rosa.

Hoje é seu centenário. E eu só queria lembrá-la por isso. Pela importância que ela teve em mim através de suas palavras.

Esse texto meu talvez não a alcance. Mas ele é feito com a intenção de ser tão singelo quanto a rosa amarela que aquele menino um dia quis levar ao túmulo dela.

Um comentário:

  1. Temos que trilhar nossas próprias lutas, mas muito do caminho já foi aberto antes.

    Essa rosa já nasceu e renasceu e acho que assim vive Lydia.

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