segunda-feira, 30 de abril de 2012

Execução da Tarefa

                                                             aos meus alunos

Tentar avisar quão amargo é o fruto
e descobrir que eles já o atiraram na cara do outro
Tentar avisar quão injusto é o trato
e perceber que eles já rasgaram todas as folhas
Tentar avisar quão falso é o esquema
e ver que eles já foram todos embora.
Dizer, então, às paredes que as coisas são mutáveis
E ver que as paredes não mudam.



- - - 
Releitura de 'Tarefa', do poeta Geir Campos.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Carta Aberta

Sim, eu entendo, querida. Entendo que talvez seja confortável deitar-se nas mágoas que enchem essa casa. Entendo que aqui nossos rancores têm estofados macios e encostos reclináveis. Entendo que nossas portas trancadas te garantam a solidão modorrenta de que tu gostas. Mas, por favor, vá embora.

Sei que é bom de beber a amargura que daqui jorra. Sei que é bom de ouvir as portas batendo com força. Sei que é lindo ver as lágrimas marcando as toalhas no banheiro trancado. Mas, por favor, vá embora.

Entendo que não te queiram em nenhum outro lugar também. Entendo que temos de nascença a mesma marca e que isso nos liga de alguma forma. Entendo que eu já tenha deitado na mesma cama que tu e te seduzido tantas vezes mais. Mas, por favor, vá embora.

Eu cansei de te encontrar espiando nos espelhos. Cansei de te ver com os meus no colo. Cansei de esperar para ver qual será teu próximo movimento, a próxima peça roubada. Sim, eu continuo te amando de um jeito solene e tosco. Continuo te admirando o rosto negro e os lábios grossos. Continuo a sussurrar teu nome nos momentos piores. Mesmo assim, vá embora, eu imploro.

Porque não sei, Morte querida, se poderemos continuar os dois aqui, nessa mesma casa.

Do mesmo assim sempre teu,
Vinícius

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sobre mergulhos e goles d'água

Escrever é um pouco como viver. Ou isso, ou eu é que mesclo ambos. O fato é que a minha maneira de encarar a vida sempre acompanha meu estilo de escrita.

Agora, por exemplo, o que tenho escrito não faz parte do que se poderia chamar de "meu estilo". Eu tenho escrito água potável, cristalina, límpida, fácil de se beber. Enquanto minha real escrita é água turva, sem sentido, só sentires. Meu estilo é complexo, intrincado, lago de águas fundas, não pede boca, exige corpo inteiro. Não serve para beber, só para se mergulhar. E não sem risco. Às vezes há veneno em minhas águas.

Meu escrever é opaco, profundo, só dá pé para quem perde o medo. Não há interpretação, há entrega. Só entende quem se permite sentir. E é assim que eu gosto. Esfinge que devora quem não a decifra. Tesouros naufragados em embarcações antigas. Segredos entalhados nos olhos dos peixes. Mulheres mortas no fundo das águas, pedras nos bolsos do casaco.

Os textos que agora faço são copos de água limpa, dispostos a matar a sede de quem chegar. E me alegra que tantos bebam deles. É bom saber que matam uma sede que nem sabiam existir. Não é meu estilo? Não é. Não é minha arte? Não é. Não é o meu melhor? Não é. Soa simplista. Acessível. Banal. Mas é meu.

É um lado meu que precisava mesmo respirar, sair das águas pesadas que me cercavam. E aqui volto ao meu começo: vivo como escrevo. Por enquanto a vida tem sido mais leve, menos séria, mais tragável também, como meus textos. A vida tem sido sem ritmo elaborado, sem artimanhas certas, sem sentidos subjacentes. Só a vida. Ali. Transparente, útil e, acreditem, capaz de saciar minha própria sede.