sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Fecham-se as cortinas

ou

De como acordei - de repente - poeta em 7 de fevereiro de 2012

"Esse vínculo originário entre a consciência linguística e a mítico-religiosa expressa-se, sobretudo, no fato de que todas as formações verbais aparecem outrossim como entidades míticas, providas de determinados poderes míticos, e de que a Palavra se converte numa espécie de arquipotência, onde radica todo ser e todo acontecer."
Cassirer, Ernst. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva, 2009.

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada."
Clarice Lispector - entre um cigarro e outro - em entrevista a Junio Lerner em 1977.



Eu ali, sozinho, na plateia escura. Sorrindo quando era de sorrir. Aplaudindo quando era de aplaudir. Declamando quando havia silêncio ou coração o suficiente.

Os spots desligados.

Eu ali, rabiscando de estilete nas poltronas, nas paredes, nos carpetes. Letras e palavras entalhadas no escuro plebeu. Cortinas encalhadas no palco não meu. E tudo seguindo e as rodas girando e os tolos do palco aplaudindo os próprios tolos do palco.

Bravíssimo! Sempre bravíssimo!

E minhas palavras ganhando a força dos vermes que rastejam no escuro - sem olhos. E minhas letras tortas embrutecendo e procurando vida. Qualquer vida.

Acendam os spots!

Canhão de luz na plateia.
E de repente eu, ali sozinho, ganhando aplausos dos tolos do palco. Como se, finalmente, eu tivesse feito alguma coisa. Qualquer coisa. Como uma poesia - finalmente - publicada entre os jornais diversos que no outro dia embrulhariam o peixe o pão e o vinho.

E de repente virei poeta. E de repente me fiz escritor. E de repente fui digno deles.

Não é crítica. Pelos deuses da antiga glória, não é crítica. Mas eu só me fiz escritor quando as palavras devoraram o papel jornal? Quando elas chegaram até lá? O poema, dois anos antes, não era bom, porque as letras dele só voavam aqui, rasantes? E agora? Agora é bom porque tem a propriedade de absorver a urina dos cães?

Não me sinto maior ou melhor do que me sentia antes. Então por que me tratam assim? São curiosos os tolos do palco. Os que agora se orgulham de mim. E antes não? São estranhos os tempos em que matam-se os talentos e aplaudem-se até os pequenos brotos de fama.

Porque eu não conheço outra vida senão a do escrever. Em papéis de cartas, cartões amassados, guardanapos usados e cadernetas de compras. E eles? Eles nem sabiam que escrevendo eu existia.

Que triste o espetáculo...

Fecham-se as cortinas.

Um comentário:

  1. A palavra que nasce não depende dos outros. Mas o chegar neles se completa um sentido.

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