quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Contrastes

Foi Ághata quem me instruiu na construção dos universos paralelos. Foi dela também que apreendi o dom de cimentar a felicidade neles. Por toda minha vida vi Ághata descortinar possibilidades fantásticas. E mais, colocar sua felicidade sempre nessas possibilidades. Depois, ensinaram-me também que um corpo – mesmo abstrato? – não pode ocupar dois lugares no espaço ao mesmo tempo. Compreendem? Colocando sua felicidade na dimensão do impossível, Ághata tratava de continuar infeliz.

Ela me dizia assim: “Se eu tivesse continuado com minha loja de chapéus em Londres e minhas idas a Gales para comprar musselinas e berloques eu hoje seria feliz”. É mentira. Com seus gastos excessivos e seu gosto desmedido, ela acabaria falida e depressiva.

Em outras épocas, falava: “Feliz eu só seria se tivesse me casado com o dono da bombonière, aquele que me deu de noivado um anel de três rubis. Com ele eu teria dois filhos para me acompanharem na velhice”. Compreendem como ela se seduz com felicidades impossíveis só para permanecer infeliz? O tal dono de bombonière mesmo revelou-se estéril fora das fantasias de Ághata.

Às vezes em uma casa menor. Às vezes em uma outra família. Às vezes de volta à Inglaterra. Ághata sempre escondeu a felicidade onde ela não estava. Onde não conseguiria encontrar, nem que tentasse. E eu, como bom tutorado, aprendi com ela. Feliz não é aqui. Feliz é lá. Feliz é além. Feliz é sempre uma meta que muda de lugar, afastando-se eternamente.

A felicidade para nós de sensibilidades – ou loucuras – afloradas é sempre uma condição que reside no que não somos, no que não temos. Somos infelizes por contraste, como se gostássemos do conceito da infelicidade mais do que gostamos de admitir.

Sim, do conceito especialmente. Ao contrário do que pode parecer a maior parte do tempo, eu não sou daquelas pessoas que vivem de lamúrias. Eu transbordo em risos para quem chega perto o suficiente. Eu tenho alegrias, o que tem diferenças sutis em relação à felicidade.

Com Ághata tudo é mais denso, mais definitivo, mais trágico. Agora mesmo eu posso observá-la. Soprando prazerosamente a fumaça de um cigarro e junto com ela a felicidade que só teria – disse-me – se parasse de fumar.

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