quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Projetos que não nascem

Biblioteca é um ambiente que me encanta. E é de dentro de uma que eu escrevo agora. Estou na UPF, atormentado como de costume. Nada de questões existenciais ou filosóficas. O problema agora é de ordem prática: meu projeto de Dissertação não se faz sozinho. De jeito nenhum.

Eu retirei livros, xeroquei artigos e revistas, empilhei tudo em um mesmo monte e... voilà. Nada aconteceu. O projeto simplesmente se recusa a brotar daquele emaranhado de folhas fofas. Duas semanas e nem uma mudinha despontou de minha pilha de papéis. Começo a desconfiar que, mais cedo ou mais tarde, vou precisar colocar minhas mãos ali. Penso que será necessário ler as letras miúdas, resenhar, confrontar, citar, analisar e fazer mais desses verbos todos que muito bem se prestam a objetivos específicos.

Qual o problema? Tempo, minto eu. Ando ocupado com o design de álbuns, com as leituras do mestrado, com as escritas, enfim, com todo um mundo tão prático quanto fictício. Sim fictício, imaginário, porque quando me espio no computador me vejo a fazer desnecessidades, eu me surpreendo supérfluo e fútil, a jogar coisas de pensar.

Vontade, falta então? Também não é bem isso. E estou sendo sincero nesse texto. Meu tema me empolga, a pesquisa me instiga, a leitura me fascina. Por que o hiato? Eu não sei. Apreensões, preocupações, macaquinhos no sótão...

Não sei. Mas enquanto tudo se demora, vou ir ao xerox ver se está pronta a cópia de mais um livro, dessa vez vou colocar Austin para fertilizar meus montes. Talvez dali nasça alguma coisa. Tenho até janeiro. Temo até janeiro.

PS: Falando em janeiro, agora talvez eu tenha conseguido um relâmpago de resposta: não consigo fazer porque não estou em cima do prazo. É isso. Eureka. Eu, que só funciono quando pressionado, não consigo me inspirar o suficiente. Liberdade demais sempre me foi problema...

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Compras & Mulheres

No sábado fui a Passo Fundo para reabastecer meu guarda-roupa... Fiquei pensando: mulheres acham mesmo graça nessa coisa de "fazer compras"? Às vezes eu acho que não; acho que toda essa história é só mais uma coisa para refletirmos no quão impossíveis elas são.

Entrar em lojas labirínticas, encarar vendedores sorridentes-porém-hostis, ir a provadores mínimos (nos quais a cortina não fecha totalmente), tirar a roupa num lugar estranho e vestir uma roupa que – tecnicamente – não é sua, descobrir que você subiu um degrau na história do P, M, G e dois no número da calça, ver roupas horrendas e apaixonar-se por uma decente, mas que custa mais do que o seu salário, tentar se esquivar dos outros tantos que decidiram comprar a mesma coisa que você, tentar respirar apesar da vendedora sorridente-porém-hostil ficar sempre tão próxima a ponto de te sufocar, ficar coberto de sacolas e não saber onde colocá-las, derrubar roupas dos cabides, voltar para casa quase sem dinheiro... Ah, Deus, tudo isso é “desestressante” e “terapêutico” para elas?

Se alguém entender a graça, por favor, deixe aqui uma explicação.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Exposto

“De surpresa de descobrir uma alma insuspeita, fiquei com os olhos cheios de água, na verdade eu chorava. Percebi que meu filho, quase uma criança, notara, expliquei: estou emocionada, vou tomar um calmante. E ele: Você não sabe diferenciar emoção de nervosismo? Você está tendo uma emoção. Entendi, aceitei, e disse-lhe: Não vou tomar nenhum calmante. E vivi o que era para ser vivido.” (Clarice Lispector)

Outro dia escrevi um texto chamado “Sertralina”, falava ele, de forma sutil, sobre como me sinto quando faço uso dessas drogas antidepressivas. Eu me sinto, realmente, daquele jeito: no fundo de uma piscina. Todos meus sentidos e sentimentos parecem amenizados, como submersos em água funda. Nada me comove muito, nada me fere demais. E é essa, ao que suponho, a intenção das pílulas.

Angustia-me, no entanto, esse “não sentir”. Quando morreu um gato meu, muito querido, eu tomava Fluoxetina. Não chorei. Não expressei nada. Senti muito e rendeu-me esse sentimento metade da minha monografia, escrita com contida fúria, como espécie de vazão/distração.

Eu sou dos que tem pele exposta. Eu sou dos que sentem demais. Tudo em mim é exagero, nada é sutil demais. Por isso as drogas. Elas me mantêm numa normalidade apenas anestésica. Elas fazem com que eu soe apático, portanto, normal. Há no mundo gente assim, sensível em exagero. Gente com os nervos do lado de fora, a quem simplesmente viver gera uma dor insuprimível.

Agora, depois de alguns dias mergulhado em Sertralina, parei com o medicamento. E acontece que hoje tudo deu para me comover. Na vinda para Passo Fundo, vi uma coisa de uma beleza singela e isso foi o suficiente para fazer com que em mim vibrassem cordas insuspeitas. Vi uma lebre marrom correr para um campo de trigo maduro. Imagem idílica, poética, coisa de sonho. Uma lebre de pêlo marrom-avermelhado, orelhas bem arrebitadas e pés enormes. Gorda de satisfação viva, saltitando apressada para se esconder no trigo dourado. No mesmo instante, entrevi, nas minhas ilusões de pesadelo, a lebre ser ceifada e moída toda em cacos de sangue por uma máquina moderna dessas. O trigo há de ser colhido. Os homens precisam farinha. O Pão nosso de cada dia, ainda que nos custe a lebre – talvez gorda de prenhe.

Com custo dissipei tudo isso de mim. Vi outros campos, alguns verdes, outros não. Chegando aqui e esperando outro ônibus, dessa vez para ir à universidade, entrevi um grupo de crianças embarcando em excursão de escola. Entre risos de pura excitação e pais munidos de máquinas digitais, os pequenos embarcavam, travesseiros em punho, rumo à alguma aventura. Ficou em mim latente os sentimentos de ser criança e viajar. Veio ainda uma paternidade apenas adivinhada, um sentimento de precisar ser amado por um pedaço meu. Ana Mel me sorriu da esquina.

Chegado o ônibus e dissipadas as novas emoções, entrou nele uma menina, de quem nem o rosto vi, mas cujo perfume era o mesmíssimo de minha amiga-irmã. Aquela, que foi para os Estados Unidos e a quem eu prometi não ficar triste com isso. Afinal, como eu disse em outro texto aqui, seria egoísmo meu. Essa viagem era o maior sonho dela. Apesar disso, nas despedidas, eu me engasguei inteiro, tamanho choro represado – Sertralina.

Temos nos falado por MSN. Ela prometeu ligar qualquer dia desses. Mas nem toda fala virtual do mundo eu trocaria por um abraço hoje. Livre dos grilhões medicamentosos, aquele simples cheiro no ar me fez as lágrimas brotarem fartas, em um ônibus municipal qualquer. Chorei, contido, porque assim sou; silente, mas chorei. Chorei por lembrar o quanto passamos juntos, chorei por pensar em tudo que ela fez por mim, chorei por sentir uma falta imensa daquela mariposa que voa em volta da luz.

Mas agora chega. É preciso — com ou sem antidepressivos — botar ordem em tudo por aqui. Sorrir à toa e não chorar por nada. É preciso que eu erga meus muros de contenção, represe lágrimas, enrede nervos. É preciso viver, apesar de sentir.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sentimentos Primavera-verão 2010

Eu, que já gostei das noites e das profundas tempestades, agora me aprazo todo num dócil sol. Eu, que já falei dos sangues e dos cemitérios vãos, agora me consolo numa brisa morna e mansa. Muda-se, com prazer e dor.

Não consigo mais ser soturno e sério e sorumbático. Não consigo sair à rua sem sentir a benção da luz na pele. A tarde é quente e me faz bem. Meu corpo inteiro se umedece numa sombra fresca e isso me regalia inteiro.

Sol, modorra, coloridos, borboletas e até varejas coloridas me encantam. Dois passarinhos espiam meu livro inútil e fofocam trinados entre eles. Que dizem? Já os gatos, tontos de sono, espiam-lhes por entreolhos. Vale então à pena levantar, correr e caçá-los para comê-los? Pois não vale... Fecham os olhos e voltam ao sono bom. Os dois pardaizinhos ciscam sementes de girassol, bicando galhofeiros entre as pedras sujas. E logo são três. Depois quatro.

Há música ao longe, há risos ao longe, há crianças na rua. A via explode e recria minha infância noutros rostos, refaz minhas delicadezas de pequeno noutras vidas amornadas. Hoje viver é bom. Hoje a primavera, com seu calor que autoriza picolés, é boa.

Sangues, cemitérios e igrejas góticas ao luar, hoje não mais me fazem sombra. São figuras feias de uma representação torta. Período bom, mas período morto. Eu quero é a mansidão dessa vida clara, quero me fascinar com os entardeceres de um ouro líquido, quero respirar o ar de uma noite-estrela.

Quero sorrir, até o choro.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Do diário:

Me faz falta sangrar no papel, cortar os dedos nas arestas finas e brancas. É que eu não posso. Eu represento tanto e me censuro mais ainda. Então eu não sangro, eu pingo água da torneira na folha e fico bem feliz com isso. Foi maculada! Foi maculada, ao menos! A água – que triste – evapora. No papel não fica nada, nem de mim, nem em mim.

Mas... se eu fosse sangrar, escreveria o quê? Lamentos? Tormentos? Ventos vazios? Acho que já não sei escrever em vermelho.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sertralina

Do fundo da piscina, a luz da tarde azul até parece baça. Não é. Eu sei. São meus olhos, ambos cricrilam ao sabor do cloro. A água é gelada, mas a vida já não me dói. Era o ar. O ar é capaz de intoxicar uma vida toda exposta. Eu morreria, eu sei, envenenado pelo ar e suas toxinas de mortal compaixão. Por isso o fundo da piscina. Agora o que me envolve é a água, água de um branco transparente. A água me é boa.

Dentro de mim ainda resta um pouco do infecto ar. Muito pouco. Um ar que teima em me fazer emergir. Um ar que conseguiria, se não fossem as correntes. Eu espero um pouco mais. Eu sei que a água também se pode respirar, mas uma só vez. Eu espero. Apenas imóvel. Talvez em água mais limpa eu visse o céu em sua complexidade azul. Mas o céu é reino do ar. Logo, mau.

Começo a desprender o ar que trago por dentro. Abro a boca. Ele sobe em bolhas que me lembram um pouco estrelas. Lá, na superfície, ele vai espocar, eu sei, contando ao grande ar o sufoco que passou, no fundo d’água. Lá, ele vai dizer assim: “zoloft”.

A água toma o lugar do ar. Com uma liquidez incrível, escorre macia, já não tão gelada e ligeiramente brilhante. À água. A água é boa. A vida é boa. Brindemos, pois.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Criança

Hoje achei ele numa gaveta, o Vinícius, loiro. Os olhos como grandes pontos negros, a boca desenhada desde então, alguma coisa insondável no semblante que parece calmo, indomável, bravo e intenso, tudo ao mesmo tempo. Quantos anos ele tinha? Em que coisas acreditava? Como ele imaginava o Vinícius este, o que escreve agora, o moreno?

Eu não sei. Eu não o conheci. Ele não conheceu. Nós não nos tocamos, nunca.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Tarde Pobre

A tarde toda se esparrama em tafetás azuis e broderis de verde-mar. Vocês sabem, o céu, o arvoredo, os pássaros, essas coisas. Toda ela implora para ser fotografada, pintada, descrita, escrita, registrada, rascunhada, eternizada. O vento é suave para ninguém, ainda assim, bate na porta, como se não pudesse entrar pelas frestas. O ar chama, as borboletas explodem às flores de um colorido lascivo, púrpura.

O sol esquenta na medida exata, desenha sombras na grama crescida. O cheiro de tudo é verde e o gosto de tudo é novo. As nuvenzinhas voejam frescas, como recém-criadas. Os cachorros bocejam lentos, plenos de modorra. Libélulas ensaiam os primeiros cantos, ainda em desalinho. Um sapo qualquer se infla de ar e o solta tenro, piscando um olho e o outro depois. Os gatos se esparramam debaixo das laranjeiras e as formigas, em filas descompostas, passam ao lado deles, ocupadas com seus pontos verdes.

A folha que se solta de um galho não cai sem antes fazer no ar o seu ballet.A poeira se deixa varrer lenta, fazendo inveja às pedrarias. As abelhas zunem em uníssono, bêbadas de néctar doce. Enfim, tudo vibra, tudo vive, tudo voa. E o menino sente-se pleno trancado em um quarto - ainda que azul, vendo o que disse Freud sobre a natureza - ainda que humana.

domingo, 10 de outubro de 2010

Tema

Diante do novo eu estremeço. 
E assim adio a inexplicável coisa de viver. Vou empurrando tudo adiante, tudo adiante, como se o adiante não chegasse, relógio em punho, tal coelho desvairado de uma Alice tresloucada. Atrasado. Atrasado. Atrasado. Eu sou sempre assim, cumpro os prazos à beira das noites não dormidas. Crio desculpas, urgências insignificantíssimas, atrasos mal cerzidos, leituras insuspeitas, tarefas inexatas. Tudo para jogar no "mais depois" o que me estremece, a tarefa, a obrigação, o tema de casa. Só mais um minuto e eu faço. Amanhã, sem dúvida. No final de semana, quem sabe. Mês que vem, droga! O quê? Não é possível? Não? Então se faz na hora, em cima, por cima, mal-rascunhado, mal-acabado, mal e mal assombrado pelos tiques do relógio. Tema borrado, tema amassado, tema todo errado, mas tema feito, enfim. Ou não.

Outono

Entre folhas amarelas
eu redescubro amantes velhas.
E ainda me deixo seduzir.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Bullying

Quantos anos ele tinha
(quando lhe ameaçaram bater com a cabeça na parede até sangrar?)

Quantos anos Eles tinham
(quando desferiam os socos que deixaram hematomas de muitos dias?)

Quantos anos eu tinha
(quando me interpus com cegueira imensa e consegui ampará-lo?)

Quantos anos eu tinha
(quando passei o braço em volta dele e o carreguei pra casa?)

Quantos anos ele tinha
(quando explicou para a mãe o que acontecera?)

Quantos anos eu tinha
(quando dias depois levei boladas da escola até perto de casa?)

Quantos anos Eles tinham
(quando riram e chutaram, riram e chutaram, riram e chutaram?)

Quantos anos eu tinha
(quando a Sra. P. me levou até em casa, desacordado?)

Quantos anos eu tinha
(quando precisei ficar uma semana sem ir à aula para que sarassem as feridas?)

Quantos anos Eles tinham
(quando, obrigados pela direção da escola, fizeram um cartaz com um pedido de desculpas?)

Quantos anos eu tinha
(quando rasguei aquele maldito papel?)

Quantos anos nós tínhamos?

Não sei.
Mas éramos só crianças, meu Deus.

sábado, 2 de outubro de 2010

Constatações (ou Bliss)

Entrei em depressão, o que é ruim.
Logo,
Parei de comer, o que é ruim.
Logo,
Emagreci, o que é bom.
Logo,
Caiu minha imunidade, o que é ruim.
Logo,
Peguei gripe, o que é ruim.
Logo,
Acho que também peguei conjuntivite, o que é péssimo.

Apesar de,
Chegou hoje para minha coleção o baralho que eu queria desde que era criança, o que explica o bliss do título e faz com que eu fique feliz, mesmo inchado, espirrando, de olhos infectos e nadando em coriza. :D

PS1: Isso não é um poema. (Talvez seja efeito da mistura de antidepressivos com anti-inflamatórios com antigripais com medicamentos para a febre e descongestionantes nasais - nem sei como vejo as letras no teclado... se bem que elas estão... dançando hula?)
PS2: Talvez eu não esteja tão doente assim... é que sou sagitariano, exagerado e tão hipocondríaco quanto minha mãe, minha avó, minha bisavó...
PS3: Só vai entender a beleza e a simbologia do meu "baralho que queria desde que era criança" quem conhece o tarot "original". Uma dica: veja as coisas pelo outro lado. ;)
PS4: Eu usei mesmo emoticons de letrinhas?
PS5: Não faça como eu. Não use descongestionante nasal com vasoconstritor. Sério. Isso derrete seu cérebro - caso você tenha um.
PS6: O tarot é mais bonito do que eu imaginei pelas imagens. \o/