segunda-feira, 31 de maio de 2010

Frère Jacques
Frère Jacques
Dormez-vous?
Dormez-vous?

Eu preciso botar um Vinícius para dormir. Qual deles?

Sonnez les matines,
Sonnez les matines.
Ding, ding, dong.
Ding, ding, dong

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Maçãs



 A cada um deixei uma maçã, antes de partir. E é estranho que há tanto tempo fora me preocupe o destino das maçãs que ofertei. Alguns jogaram minhas maçãs pela janela, bem o sei. Rindo com escárnio e desdém de presente tão vermelho. Eu não os perdoei, porque fui nascido para não perdoar.

Outros guardaram minhas maçãs com tanto afinco, com tanta ânsia para não me perderem, que as frutas apodreceram, abafadas em uma gaveta. Eu não os culpei, porque mesmo podres as maçãs são doces.

Alguns comeram minhas maçãs tão logo eu fechei as portas, com tal ânsia e sofreguidão que engoliram as sementes. Dentro desses eu ainda estou, pequenino, em brotos que não virão a ser. Eu não os confortei, porque mesmo esses me perderam todo.

Na verdade, vejo agora, a preocupação é tola e vã. O que me importa são aqueles que de mim nada ganharam. Porque a esses, a esses eu voltarei, nem que seja com maçãs nos bolsos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Salva-me. Da solidão, do vinho e do bolero.

É que em mim a solidão se alia ao vinho. Tinto, seco, encorpado e em uma xícara na qual se lê “Nescafé”. (Gargalhadas). Como sou patético, deus, na sacada. E o mundo vivendo e as famílias jantando e os jovens passeando. Nas ruas. E os postes brilhando nas ruas. Como brilham os postes nas ruas, flores metálicas plantadas para brilharem nas ruas. Que lindos são os postes. Eu amo os postes das ruas. E aos carros eu odeio, porque eles não se plantam. E porque também a mim o carro é inviolável. O carro tem segredos em seus pedais e marchas e luzes. Eu não sei mexer o carro. Nem admirá-lo. Então o carro não presta.

Controle remoto presta. Aumenta o som, mesmo no escuro, mesmo sem eu ter que atravessar a sala toda, mesmo sem ter que sair da sacada. Na próxima encarnação eu serei um controle remoto. E seus dedos desfilarão em mim, me apertarão, me excitarão, e eu farei as coisas acontecerem. Ou não. De birra eu não funcionarei pra você.

Siempre que te pregunto que cuándo, como y dónde, tú siempre me respondes: quizás, quizás, quizás... Y así pasan los dias, y yo desesperando, y tú, tú contestando: quizás, quizás, quizás. No céu tem postes. Estrelas. Quando eu era pequeno pedia coisas às estrelas. Elas nunca caíram -as coisas - do céu para mim. Outro gole, mais vinho, mais sozinho. E estou tão triste que tenho uma vontade imensa de rir. E rio, sozinho.

A vizinha de baixo me grita uma coisa feia. Insensível. Do meu pulmão estufado eu esbarro no berro: No existe un momento del dia en que pueda apartarme de ti, el mundo parece distinto cuando no estás junto a mi. Minha xícara vira e eu ouço o vinho escorrer sacada abaixo. Tomara que respingue na cabeça da velha.

A noite é quente e a brisa me lambe bem. Melhor que você. O vinho terminou. Merda. A garrafa eu atiro pro térreo. A xícara também. Não me servem. O vidro explode, a vida explode, a vizinha espoca de vez. (Gargalhadas). A salafrária não sabe da vida. Tem um marido que a come de vez em quando e é feliz por isso. Ela não sabe do amante, da náusea, do tédio. E é feliz por isso. Que tu has vivido con otras gentes, lejos de mi cariño. Te quiero tanto que me encelo, hasta de lo que pudo ser, y me figuro que por eso es que yo vivo tan intranquilo.

O gosto que fica do vinho que foi é amargo. Amarga é a solidão e a rua, quando se lambe. Amargas as paredes, amarga minha pele e os dedos que chupo, com o fedor do cigarro. O amargo cura, diz flutuante a avó muerta. O amargo mata, eu respondo pra lua. Contigo aprendí que existen nuevas y mejores emociones, Contigo aprendí q conocer un mundo lleno de ilusiones. De vez em quando eu ajo como se fosse feliz, sabia? De vez em quando eu finjo que não quero tapa na cara. Mas é que quando me corto sempre acabo chupando o sangue. E tenho vinho dentro de mim, vinho que só eu bebo. Contigo aprendí a ver la luz del otro lado de la luna.

Você quer? Não, não o vinho. Você me quer? Bem, inteiro, sim, daí o vinho vai também. Se não quiser. Se não quiser não precisa agradecer com um “não, obrigado” falhado. Agradeça com uma mão gelada nas minhas costas suadas. Em um só empurrão, na beira da sacada, adiós, então, corazón.

Y angustiado para siempre te perdi. Fatalidad signo cruel, en su rodar se llevo el mas valioso...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sábios e Sabiás

Por não confiar demais em mim, procurei aos Sábios Manuais. A primeira coisa que eles me disseram foi: corte do seu texto todos os adjetivos. Porque eles eram sábios e manuais, eu acreditei que isso seria bom.

Com tesoura de poda eu persegui e capturei meus adjetivos mais sublimes. Com dor de pai cortei os “defeitos” pujançosos dos meus escritos. É para o vosso bem, repetia às linhas mal cicatrizadas e ainda meio sangrentas. É para o vosso bem...

Não satisfeitos, os Sábios Manuais me disseram outras coisas mais. A cada proposição iluminada eu me encontrava mais escurecido e mal talhado. De repente tudo que eu fazia era desrespeitar a notável arte das Belas Letras. Todo torto, passei a escrever de dedos bem amarrados, unhas usando cabrestos.

O resultado era sempre uma idéia truncada, um texto capenga e amarfanhado. Mostrei aos Sábios o resultado. Emendaram as rugas da testa e retorceram o nariz, num arremedo de cara de nojo. Não. Não é bom.

Mandam que eu remodelasse as frases vãs, excluísse os temas obscuros, eclipsasse o “eu-lírico” e ocultasse meu narratário. Fiz. Fiz à risca seus textos de forma feita. Depositei palavras no molde caro e desinformei textos disformes.

Os Sábios Manuais novamente me hostilizaram. Não, não. Então você não entendeu nada e nem serve para nós ou nossas musas. Fora do templo! Saí chutando pedrinhas de ardósia.

Agora, pensando um pouco, percebo que os manuais nada sabiam de mim e que sequer sábios eles eram. Enganação. O templo era barroco e as musas impostoras cortesãs. Ah, enganação dos que afastam os fiéis. Belas Letras são as minhas, pois não, adjetivadas e resplandecentes de ouro em pó.

Voltei. Agora voltei para suturar as frases e ser surdo aos supostos sábios. Voltei só com voz, para retomar de vez o canto arbóreo dos meus sabiás enfeitados e ricos e vãos e tremeluzentes de tanto eulirico transbordante. Voltei para ser eu e escrever esquecido de quem lê com o cenho torto e amassado. Voltei para cantar a inutilidade da vida, o descaso do texto, o amor às palavras que escondem segredos. Voltei para ser concha de pérolas arcanas. Voltei para ser eu, sem sábios nem manuais, só um escritorzinho qualquer. (Escritorzinho num sentido mais que carinhoso...)

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Texto ainda na Ficções. Clique aqui para ler e comentar (ou recomentar... ou recomendar...).

Meus olhos,

, por exemplo, são parcialmente incapazes de fazer aquilo a que foram destinados: ver. Há cinco anos foram diagnosticados com uma miopia já suspeita. E, desde então, sua sina é estarem sempre recobertos de vidro.

(Às vezes eu acho que são míopes só para terem esta proteção. Só também para que meu rosto porte uma máscara. Uma armação, eu sei, mas antes de tudo uma máscara, porque com ela fico diferente de como sou.)

Eles são fugidios. Não bastasse a couraça das lentes, também a íris gosta de se fantasiar. “Hoje seus olhos estão pretos!” “Seus olhos, hoje, estão cor-de-mel”. E isso independe, vejam só, até do meu humor. Sim, porque eu tenho um avô cujos olhos são de um azul de invejar o céu, mas só quando ele se põe possesso. No mais, são só azuis, como quaisquer outros.

(Eu também acho que eles fogem propositalmente das pessoas. Quando eu caminho na rua, por exemplo, sempre lembro de ver mais o calçamento do que outros olhos. Talvez eles tenham um fascínio impensado por pedras e apenas isso. Afinal, aos olhos também merece ser dado o que eles desejam.)

Eu acho belos olhos pestanudos. Enfeitados como se de plumas, uma cauda de avestruz negra. Olhos lânguidos também me invejam, embora eles pareçam mais expressão de livro. Pálpebras pesadas, meninas dos olhos quase dormentes. Quem sustenta um olhar assim parece estar vivendo em constante prazer.

(Talvez esteja. Talvez o mundo de cores e formas seja prazeroso demais para estes tais “olhos lânguidos”. Isso explica o porquê de eles estarem sempre entreabertos, como se a visão do em torno fosse desnecessariamente boa. Acho que lânguidos – até a palavra desliza na língua – são os olhos de ressaca.)

Meu oculista anotou cuidadosamente seu telefone particular em um cartão. Disse que o procurasse, caso desejasse lentes de contato. Meus olhos tremeram de puro pavor. Eles são tão frágeis que não suportam sequer a possibilidade de um colírio, se fecham à menor ameaça. Como entrar neles, então, com os dedos para tirar e colocar aquela pele impensada? Não. Obrigado, meu oculista.

(Lembro de uma professora cujos olhos eram verdes. Ela usava lentes de contato. Eu lembro de que quando olhava bem de perto podia definir as bordas da lente, como halos da íris. Era uma demônia a professora. E seus olhos tinham halos santos.)

Bolas estranhas são os olhos estrábicos. Eu nunca sei em qual olho me fixar. Também nunca sei se a pessoa está ou não está olhando para mim, o que me gera um desconforto enorme. Tenho medo de estar sendo bobo, enquanto o outro olha a parede, tão mais interessante.

(Óculos escuros me perturbam do mesmo modo. Tornam os olhos insondáveis, de repente livres demais. Nesse caso, o problema não é suspeitar que a outra pessoa olhe a parede, mas que ela olhe você. Quando nem deveria.)

Olhos arregalados me apavoram. Não gosto de órbitas prontas a saírem do espaço. Já olhos orientais me instigam. Sempre guardam um segredo insinuado, às vezes até fingido, mas ainda assim um segredo. Quando eu acordo tenho olhos orientais. Minhas melhores fotos são as da manhã.

(Clarice tinha olhos orientais. Sempre sussurrando segredos, só para não ouvirmos e poderem rir, zombeteiros. Minha namorada tem olhos que falam. Não para todos, mas para mim sim. São olhos afoitos, que se apressam em me contar tudo que lhes passa pela alma. São olhos que eu ouço com meus olhos míopes.)

Seus olhos, por exemplo, lambem agora as minhas últimas linhas. E eles viram só letrinhas escuras na página alba. Mas eu mostrei a eles outras coisas tantas: óculos, pedras, lentes, olhos. Eles sabem o que viram ou imaginaram. E fizeram isso de puro deleite, espero. Máquinas fantásticas os olhos. Mesmo míopes, orientais ou estrábicos. Mesmo recobertos, mesmo expostos. Pena que muitos jamais verão os meus. Nem eu os seus. Temos, escritores e leitores, olhos invisíveis.

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Quem quiser pode também dar uma "passada de olhos" no meu conto da Revista Ficções. É só clicar aqui e comentar por lá. Grato.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Anjo Maldito

Talvez eu precise só esconder o rosto. Ou separar com faca de corte o que pode ser dito, pensado e escrito daquilo que em mim deve calar. Porque há muito em mim que deve ficar em silêncio e no escuro. Eu é que sou tolo de, por vezes sem fim, tentar puxar essas coisas para a luz, para ver se amadurecem ao invés de apodrecerem. Deve-se deixar morrer o que quer morrer. Deve-se deixar brotar o que quer brotar. Mas isso eu também não compreendo e às vezes quebro mudas com a enxada suja.

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PS: Meu conto continua tonto na Revista Ficções. Para comentar, clique aqui.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

?

Dúvidas, plúvidas, trúvidas. Este anjo está por um fio de arranha céu. Não sabe se arranca as asas, se pinta a casa, se transforma o museu em mausoléu. Não sabe. E ninguém vai responder. Não. No fundo ninguém vai invadir o apartamento – chutando a porta – e dar-lhe um rumo menos blasé. O que, então, ele (não) pode fazer?

Para a de copas, a cabeça. Para a de ouros, os dedos.

Às vezes, só para poder dizer que Deus é bom, eu preferia não saber. Eu queria o maravilhoso dom dos ignorantes, os únicos que conseguem manter a sanidade. Sendo ignorante eu não saberia por quem os sinos dobram, por quem os relógios param e por quem os celulares tocam.

A droga é que um dia eu quis saber. E véus abertos não se fecham. Agora que eu aguente destino igual ao de Cassandra. Eu vejo, sinto, sei, falo. Você não acredita. Você não vê, não sente, não fala. 

Ou finge que.

Eu tenho 78 cartas que me escrevem destinos, de vez em quando. Nem delas preciso. Eu sei quem joga as bombinhas de São João. Eu sei quem espera (há muito) que espoquem nossos dedos anulares.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

E agora, José? - Releitura

O twitter falhou,
o e-mail pifou,
o orkut sumiu,
o blog apagou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nick,
que curte e navega,
você que publica,
que linka e que posta,
e agora, José?

Está sem contato,
está sem cursor,
está sem login,
já não pode entrar,
já não pode teclar,
baixar já não pode,
a internet pifou,
o técnico não veio,
a assistência não veio,
o provedor não veio,
não veio o hacker
e tudo queimou
e tudo caiu
e tudo desligou,
e agora, José?

E agora, José?
Seu inútil teclado,
seu monitor tela plana,
seu disquete e CD,
seu mouse ótico,
seu pendrive de 1 giga,
seu DVD de 1 mega,
sua memória,
seu MP4 – e agora?

Com o botão na mão
quer ligar o pc,
não existe pc;
quer conectar,
mas o cabo queimou;
quer ir para a Lan,
Lan não há mais.
José, e agora?

Se você instalasse,
se você navegasse,
se você rodasse,
o CD de instalação,
se você formatasse,
se você deletasse,
se você desligasse...
mas você não desliga,
você é burro, José!

Sozinho no mundo
qual pré-digital,
sem tecnologia
e nem banda larga
para se conectar,
sem modem por perto
que ligue a um toque
você murcha, José!
José, por quê?

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No momento em que tudo pifar - e vai pifar algum dia - para que lado será que nós vamos?

sábado, 8 de maio de 2010

Ponto de Vista

Quando nascido foi uma pérola do bem-dizer, brotada de divinas ostras.
Quando colhido foi dito que era um tanto barroco, meio torto e deformado.
Quando foi parar no centro da coroa régia... aí já era um lixo completo.

O que eu acho imensamente interessante é a forma como o destaque dado a alguma coisa a torna, repentinamente, desmerecedora de sua posição. Não vou cifrar demais as coisas, hoje estou didático, portanto explico sobre o que escrevo.

No meu caso foi um conto, concorrente à publicação na Revista Ficções. Até galgar ao tão desejado 1º lugar em comentários, as avaliações foram positivas, inclusive as de completos desconhecidos. Agora, que estou no topo, o texto se fez torto e começa a pingar gente a dirigir-lhe ofensas.

Não compreendo. Pelo que sei o meu texto não mudou. Tampouco mudou o seu suporte. Sim, porque as críticas me ultrapassam e visam o alvo mor, que é a Revista. De repente todas as publicações escolhidas são sem valor.

Caríssimos. Eu concorri, como todos os outros. Enviei meu texto, como todos os outros. Ganhei comentários, como todos os outros... Então por que o rancor? Não fiz nada de diferente, pois então algum mérito aquele conto há de ter.

Mas é costume. É costume criticar quem chegou na posição em que queríamos estar. E isso é feio. É feio porque denota mediocridade, incompetência, inveja e frustração.

Se este texto chegar à revista impressa, será então de vez um lixo completo, na abalizada opinião dos meus queridos ofídios verdes. Paciência, cedo ou tarde até as cobras mordem a língua.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Dúvida sanada

E a pergunta que fiz aqui, Clarice, sempre atenta, tratou de responder-me hoje.


quarta-feira, 5 de maio de 2010

Preces de Salvação

Ághata mandou que eu abrisse as janelas do quarto, porque assim ela não sabe em que mundo eu vivo. Respondi qualquer coisa que a feriu o suficiente para que ela se calasse.

A verdade, Ághata querida, é que também a mim também não me é dada a compreensão do meu mundo. Eu sei que ele é feito de um deserto de terras marrons e gretadas. O céu é de um azul-escuro que empalidece ao horizonte. Árvores, as poucas que têm, são secas como garras e nelas não pousam nem os pássaros de mau agouro.

Talvez eu esteja perdido em algum quadro de Salvador Dali. Só sei que aqui não há quem me salve. Eu estou numa solidão de dilacerar o fígado, Ághata, e nem de você posso mais me aproximar. Compreenda, eu não sei por onde. Eu preciso ser salvo, mas não tenho a audácia de estender a mão. Então eu caminho.

Caminho sem rumo, porque aqui toda estrada leva a lugar nenhum. Vez ou outra alguma corda densa impede que eu me jogue do abismo. Hoje a corda foi uma roupa em que Mariana esqueceu o perfume. O cheiro lilás da blusa branca me pediu para ficar mais. Disse que há – em algum lugar – uma esperança nascendo.

Eu não acreditei. Mas estou aqui, não estou? Ora, pelos malditos céus, como estou aqui. A troco de nada, sem esperança falsa nenhuma – estou. Eu estou e sou orgulhoso demais para dizer que quero sair. Estou porque entrei e acredito que agora mereça a punição de ficar. Estou porque, veja bem, eu não teria outro mundo para ir. Eu não teria forças de escolher outro quadro para pintar e então nele viver. Estou aqui porque me é dado ficar.

Portanto, quando eu peço, Ághata minha, que me deixes ficar, estou é rezando por um socorro. Tu é que não entendes a língua suja das nuvens.



Corujas, aranhas e teias mal-feitas.

É com horror que olho àqueles que tentam me enganar fácil. Então eu transpareço ser tão tolo assim? Quer dizer que com qualquer mentira vós podeis me conduzir? Não, eu não suporto que me façam isso. Eu vos conheço como a mim mesmo. E é só de ver poucas nuances, aquelas que aos outros passam. Eu sou uma coruja sempre atenta e faço relações rápidas como piscares de olhos.

Eu sei de vossos métodos e estratégias. Eu sei o que quereis conseguir e não dou a mão para o engano. Quando quiserdes minhas mãos, peça-as. Eu sou generoso e meu coração se compele todo em servir, quando há a humildade do pedido. Mas não assim. Não com enganações, frases montadas e máscaras de cera. Assim me fecho abrupto e de mim nada podeis tirar.

Não assim, porque minha gana é a de ser subestimado. O que vós penseis? Não, eu não quero vossas respostas pútridas. Eu sei, já disse que vos conheço. Vós penseis me colocar em teste. Um erro: não sou homem de ser testado! Não bastando, ainda vos envolveis em artimanhas, feito aranhas tecendo teias. Outro erro: corujas arrebentam teias.

Do vosso festival de erros tolos e malogrados, fica então o recado: não sou homem que deva ser subestimado.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Obrigado!

Eu e o Ingarden não estamos nos entendendo bem. Ainda assim, pedi a ele que esperasse alguns minutos para eu vir aqui agradecer a todos que já comentaram no meu conto da Revista Ficções.

Agradeço especialmente ao Cláudio Talesman, dono do blog no qual eu posto poemas, pois além de comentar ele ainda foi cabo eleitoral do “Grotas gretadas sem gotas caídas”.

No momento estou em primeiro lugar em número de comentários... E alguns deles são realmente substanciais. Obrigado de coração a quem colaborou.

Quem ainda não o fez e ficou na vontade, clique na imagem abaixo.


Valeu!
E agora vou voltar ao Ingarden...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Quadro Triste Dependurado na Galeria.

Mostrei o quadro a ela com a paciência santa de um professor. Seus olhos lamberam a tela e então veio a careta:
— Não gostei!
— Mas é lindo... — tentei.
— Não. Não é não.
Eu sabia, quando três “nãos” se uniam em uma mesma fala, era melhor não contrariá-la. Ainda assim, tentei sondá-la.
— Por que você diz que não é bonito?
— Porque é feio. E é feio porque é triste.
Então era assim? Apenas assim? A composição das cores, a mistura das formas, o motivo tocante, nada disso importava demais? Nada. Para ela as coisas tristes jamais iriam adquirir o status de beleza.
Para mim abriu-se o contrário. Felicidade demais era o que me incomodava, porque simplesmente não parecia real. Minha arte favorita era sempre a mais triste, porque na tristeza eu via a vida.
Caí cabisbaixo. Eu sou então esse pessimista, feito de noite, enquanto ela, Clarissa, é toda luz do meio-dia. Eu pensava nisso quando já ela se adiantava, via encanto num outro quadro, repleto de crianças e balões coloridos. Mas a minha graça já havia sido desfeita. Não veria mais beleza em parte alguma da galeria.

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Triste ou não, há um conto meu aqui que inspira (e expira) comentários.
Não o deixem morrer.

Deixarei que as unhas cresçam – só o suficiente para que com elas eu possa arrancar a minha pele. Porque hoje uma árvore sem casca me inspirou a isso, com suas sombras surreais. Ela, toda brincando de pintar a calçada com luzes, exigiu meu sacrifício.

Mas eu já sabia. Eu mesmo já havia adivinhado que para escrever – como eu escrevo – é preciso revirar a pele e viver com a carne toda exposta. Eu só não sabia se teria a coragem de me doer inteiro. Talvez eu precise voltar a me sensibilizar em cada parte, porque nossa casca humana filtra a dor e a torna apenas comum.

Escrever me faz sofrer. Isso porque eu me transformo de autor em narrador e de narrador em personagem. Não tem uma dor por mim escrita que eu não tenha me forçado a sentir. E como escrever sem sentir? Imaginando? Não, eu não me presto a contar mentiras. Se eu, por exemplo, escrevo sobre um homem que morre na calçada, é meu o rosto que queima na pedra quente, é em volta de mim que as moscas zumbem, sou eu que vejo o céu pálido e distante, sem porta para os pobres. Sim, João Olegário é meu nome.

Escrever me exige sensibilização, e é isso que evito ao máximo. Pelos dias eu posso passar incólume, pela escrita não. Por isso entregar-me à inspiração (e é esse o nome?) é tão difícil. Há sempre o risco de ficar com uma dor que eu não tinha e nem queria.

Por pura ironia, o não escrever me fere mais. Ficar mudo me deixa apático e daí fico também inútil. Como a árvore, caso não desse nem sombra, nem flores, nem frutos – estando descascada ou não.

É uma questão, portanto, de escolher entre duas dores. Escolha pedante para quem quer se sentir vivo. Afinal, a própria Clarice já rezava: “Enquanto não escrevo, eu estou morta”.

sábado, 1 de maio de 2010

O Livro das Páginas Flutuantes

Ela costuma dizer que eu sou inteligente e racional, mas que de repente despenco. Verdade. É que às vezes eu sinto uma felicidade enorme em acreditar nas coisas bobas. E em ser simples e fútil e gente. Meu Deus, sou quase comum.

Uma de minhas fraquezas, por exemplo, é o Tarot. Pensem só, um homem mestrando, que de tão sério até óculos usa, acredita nas bobagens das cartas. Confesso envergonhado, mas também explico: é que de muito cedo fui fascinado. Aos sete anos gastei meu dinheiro de comprar carrinhos em um baralho barato. Cresci com ele nas mãos, decifrando e inventando para as figuras significados surreais.

Aprendi a ler a sorte de menino, quase por pura inspiração. E nenhuma vez me foi dado o benefício de errar. É que por coincidência ou estruturação empírica, minhas previsões jamais falharam. Antes, porém, que fechem esta janela a me pensar crédulo demais, eu aviso: já nem leio a sorte. E, mesmo no tempo em que muito lia, sempre fui cético. Um cético fascinado, mas um cético. E como não se fascinar pelo mistério? Por mexer no caldeirão do encoberto?

Em alguns círculos, o Tarot é conhecido como “O Livro das Páginas Flutuantes”. E, de fato, o baralho todo descreve muitas histórias. Há uma dos arcanos maiores, 22 cartas cheias de mistérios elevados. O Louco (coringa de um baralho comum) passa pelas 21 estações, a caminho da própria formação. Essa história é a conhecida como “Jornada do Louco”.

Os 56 arcanos menores também contam histórias sublimes. E o sentido de livro aí está: o Tarot contém todas as experiências humanas (genéricas) possíveis. Cada lâmina seria, assim, uma página. Ao fazer uma tiragem (ou uma “leitura” – não de todo por coincidência) as páginas seriam organizadas de forma a melhor contar a vida do consulente.

Vocês percebem que meu deslumbre pelas cartas não é de todo tolo? Se elas divisam o futuro eu não sei. Mas que possuem uma simbologia riquíssima não haverá de ser negado. Afora isso, os baralhos de Tarot são lindos. Eles me representam um turbilhão de arte. Desde aqueles monocromáticos aos mais modernos, eu fico sempre em êxtase.

Há edições das mais diversas (cliquem nas palavras vermelhas para terem uma idéia): baralhos que, por exemplo, associam-se à mitologia e às antigas tragédias gregas. Outros que tomam suas representações nos contos de fadas. Há cartas com anjos, silfos, orixás... Há lâminas eróticas, clássicas e outras com aquarelas simplesmente surreais...

Não sou tarólogo, nem de longe. Mas sou um amante colecionador de cartas. Por que isso hoje? Porque acabo de comprar mais um baralho. Este me pescou completamente por sua beleza. Há em cada desenho um traço que me lembra infinitamente dos meus livros de criança. É delicioso espalhar-se admirando as cores e decifrando o intrincado código de símbolos presente em cada um dos 78 arcanos. Eu ouço estes personagens sussurrando histórias que quem sabe um dia venho contar.

Nem que eu explicasse durante anos eu seria capaz de fiar tudo que esta arte pagã me representa. Tolo, crédulo e parvo. Usem o adjetivo que lhes servir. Eu agora estou ocupado demais para ouvir. Só as histórias deste outro livro é que me interessam.












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PS: As cartas que ilustram esta postagem pertencem ao baralho pintado pela artista canadense Paulina Cassidy.