quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Reflexões sobre minha escrita

A escrita para mim veio como um processo de cura, tal como se deu com Caio F. Abreu e Clarice Lispector. O mais importante no meu ato de escrever era promover a catarse, ou seja, purgar minhas emoções. Dentro dessa perspectiva, fui conduzido a uma espécie de “arte pela arte”, conforme as teorias similares às de Hegel.

Minha escrita estava, então, restrita ao meu próprio foco, em detrimento ao do leitor. Para mim, construir textos herméticos e enigmáticos, era uma fonte indescritível de prazer. Eu pensei, por algum tempo, que com isso fazia arte. De fato, naveguei fundo tanto no cultismo, quanto no conceptismo, valorizei complexidades de formas e conteúdos, com minha linguagem rebuscada e minhas idéias truncadas.

Imerso em um processo caótico, na medida em que simbolista, encontrei na prosa poética palco derradeiro para minhas charadas textuais. Ler meus textos não era simplesmente ler, era antes decifrar.

Se por um lado essa proposta de interpretação aberta dava vazão a sentidos polissêmicos, construídos pelo leitor; por outro, deixava o mesmo leitor confuso e perdido. Afinal, estamos acostumados a lidar com teorias de certo x errado. Tudo que foge e penetra no campo do “possivelmente” e do “provavelmente” gera insegurança e, portanto, desagrado.

Ninguém quer ler uma coisa que não compreende. Ninguém quer terminar com macaquinhos na cabeça. Para mim, no entanto, a narrativa simples, o vocabulário básico, a organização textual padrão, não passava de mera “contação de histórias”. Eu sabia fazê-la? Sabia, mas não representava de forma alguma um desafio “artístico”.

Eu traduzia “arte” por “complexidade”. Logo, quanto mais complicado, mais artístico um texto seria. Agora percebo, no entanto, que a verdadeira riqueza está na simplicidade.

Quando mais simples e compreensível um texto é, mais ele pode chegar ao leitor. Mais efeito ele tem. Que se dane minha vaidade de escritor, minha busca embebida em soberba pelo complexo elitista e narcisístico. O que importa mesmo é se fazer compreender. É tocar, emocionar, fazer sentir... Este é o sentido da arte. Se eu conseguir fazer isso de forma complexa e rebuscada, ótimo, mas se eu não conseguir, que minha escrita seja simples e pura, como água. Afinal, o champanhe pode ser mais complexo e fulgurante, mas só a água é capaz de matar a sede.

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Obrigado, Professora Dr. Vaima, por me fazer compreender mais isso com suas palavras: “Escrever é um compromisso com a humanidade. Você nunca saberá o alcance de suas palavras nem a intensidade do bem que poderá estar fazendo. Você tem esse poder, por isso não se permita parar de escrever. Seria um crime.”

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Um Gaveteiro

Foi então que a avó, meio fada, meio bruxa, deu à menina o gaveteiro. Todo em madeira trabalhada e pouco maior do que uma caixa de bom-bons, o gaveteiro tinha três gavetas, todas muito bem trancadas.

— Minha querida... Este gaveteiro me foi dado quando eu tinha a sua idade. Eu jamais tive a coragem necessária para abri-lo, mas confio que você a terá.

A simpática velhinha entregou-lhe também uma chave, muito dourada, explicando que ela serviria em todas as gavetas.

— Mas vovó, o que tem aqui dentro?

— Dentro de uma destas gavetas está a felicidade.

— E das outras?

— Não sei...

Despediram-se emocionadas, porque a menina bem sabia que a avó não duraria até o seu próximo aniversário.

Chegando em casa, coração aos pulos, a jovenzinha foi ao quarto, experimentar a chavinha nas gavetas. Antes que conseguisse girar e abrir, no entanto, chegou uma de suas amigas.

Curiosa com aquela caixa antiga, a amiga quis saber o que era. A menina, com sua inocência e bondade contou. A outra arregalou muito bem os olhos quando soube que ali estava a felicidade.

— E você vai abrir?

— Acho que vou...

— E não tem medo?

— Medo? De quê?

— Ora, pense um pouco... se a felicidade está em uma destas gavetas, o que estará nas outras?

— Eu... Eu não sei...

— A felicidade é algo tão precioso que deve estar muito bem guardada. Aposto que nas duas outras gavetas estão castigos terríveis.

— Você acha?

— Tenho certeza! Mas vá em frente... Abra...

— Será?

— Lógico. Quer dizer, eu não abriria se fosse você... Não me arriscaria sem saber em qual delas está a felicidade... Mas se você quer tentar...

A insegurança havia virado uma sombra densa em volta da menina. Mudaram de assunto e foram brincar de bonecas. Mas mal a outra tinha se ido, a pequena parou bem em frente à caixa. E se a amiga tivesse razão? Se ao invés da felicidade, ela se deparasse com coisas terríveis. Conhecia bem a história de Pandora, ah, conhecia. Da última vez que uma caixa fora aberta, o mundo virou no que virou.

Naquelas gavetas poderia haver coisa muito pior... Ah, se podia.

Como esquecer, no entanto, que tinha a felicidade nas mãos? Que por um giro de chave poderia ser feliz para todo sempre?

Infelizmente, o medo foi maior do que a vontade de ser feliz. E quando estava velha velha, a menina passou o gaveteiro à sua neta, dizendo-lhe assim:

— Minha querida... Este gaveteiro me foi dado quando eu tinha a sua idade. Eu jamais tive a coragem necessária para abri-lo, mas confio que você a terá...

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Ser feliz é uma responsabilidade imensa... às vezes não somos felizes por puro medo. Medo do que pode nem existir. Você tem a chave? Então abra o gaveteiro.

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Este meu texto encerra uma espécie de tríduo à felicidade, que começou com As Meias. São três textos que há tempos eu pensava em escrever... Percebam que em todos a felicidade é tomada como algo material, que pode ser dada, escondida ou trancafiada... São mensagens que fazem refletir um pouco, ideais para este fim de ano. Ideais para eu também saber o que ando fazendo com a minha felicidade.

Um obrigado especial ao Sarico, exímio jornalista de quem já fui discípulo, que divulgou o texto anterior em seu blog.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Onde se esconde A Felicidade?

Cansado de buscar em vão, o jovem discípulo recorreu ao velho mestre. Depois de subir altas montanhas e passar por perigosos precipícios, ele chegou em frente ao sábio das nuvens.

— Caro mestre, venho em sua busca para que o senhor me diga só uma coisa. Eu estou cansado de procurá-la e jamais encontrar e, sendo o senhor tão sábio, queria que me dissesse: onde se esconde A Felicidade?

O mestre docemente sorriu. Ao invés de responder, fez-lhe outra pergunta:

— Diga-me primeiro, meu jovem, quantos pregos você viu hoje?

— Pregos, mestre? Bem, não me recordo de ter visto qualquer prego... Em todo caso, o que isso tem a ver com A Felicidade?

O mestre não lhe respondeu. Apenas coçou a longa barba e, encarando-o, falou:

— Eu posso dar a resposta que você procura. No entanto, como A Felicidade é algo muito valioso, não posso dizer seu paradeiro sem cobrar o devido preço.

O discípulo ficou consternado. Então o mestre vinha agora com cobranças materiais? Não estava certo. Mas pela felicidade...

— O que queres, meu senhor? Todo ouro do mundo? Todos os camelos do deserto? Diga-me, quanto vale A Felicidade?

— A Felicidade não tem preço. No entanto, para dizer-lhe onde ela se esconde, eu exijo que me tragas O Prego.

— O Prego?

— Sim. Existem por aí muitos pregos, você sequer os nota... Mas há um que é especial, é o prego definitivo, a essência de todos os pregos, a síntese do que é um prego. Não sei se me faço compreender...

— Claro que sim, mestre. Queres O Prego, ou seja, o prego mais especial que eu puder encontrar. É isso?

— Exato. E não volte aqui enquanto não tiver este Prego para me dar.

Pensativo, o discípulo desceu a montanha. Do que seria este prego? Na certa era enorme, quem sabe de ouro, ou então de diamante... Encontrando no caminho outro discípulo do mestre, resolveu compartilhar com ele as suas especulações. O homem, que era muito inteligente, pensou um bocado e depois respondeu:

— Ora, o prego mais perfeito deve ser feito com o material mais perfeito e fino: a porcelana.

Um prego de porcelana... Realmente, a porcelana era o que havia de mais rico e maravilhoso no reino.

Agora sim, o jovem foi à aldeia tomado pela idéia de encontrar este Prego. Daquele dia em diante, ele passou a observar que o mundo era feito de pequenos pregos. Havia pregos nos casebres e nas mansões, nas banquetas e nos balcões, nos berços e nos caixões... Milhares e por todos os lados. Na cruz havia três, nas paredes, incontáveis, até no chão ele os encontrava... Mas nenhum era de porcelana. Obcecado como estava, passou mais de 20 anos em uma busca vã.

Foi quando chegou à aldeia a notícia de que o sábio das nuvens havia falecido...

O homem chorou muito, porque além de seu mestre e amigo, ele era o único que sabia onde encontrar A Felicidade... E agora levara com ele o segredo.
Naquela noite, no entanto, o homem sonhou com seu mestre. Nas brumas oníricas, o velho dizia assim:

— Meu jovem discípulo... Quanto tempo.... Por que jamais me procuraste?

— Ah, mestre... porque jamais encontrei O Prego. Todos estes anos eu encontrei pregos grandes, pequenos, tortos, enferrujados, despedaçados... Mas nenhum da maneira que o mestre me pediu.

O sábio sorriu com bondade. E lhe disse assim:

— Então agora você está pronto para saber a verdade sobre A Felicidade. Essa Felicidade que você procura é como O Prego. Nenhum prego é definitivo ou melhor que todos os outros. Cada um é especial e contribui para formar o todo. Você jamais encontrará. A Felicidade que procura, porque ela não existe, é frágil demais... No entanto, o mundo é cheio de felicidades, como os pregos que você encontrou e aos quais não deu valor, porque procurava um único. A felicidade o cerca e você não percebe, porque a quer grandiosa demais. De hoje em diante, preste atenção às pequeninas e diferentes felicidades que se concentram à sua volta. Abrir os olhos é uma felicidade, o sorriso de uma criança é outra, o vôo de uma borboleta é mais uma, e que felicidade pode ser maior do que olhar para uma estrela? Sentir o cheiro de uma maçã é uma felicidade indescritível, assim como tomar um banho quando você está cansado, ou ouvir uma música alegre, quando você está triste. Basta que você perceba estas pequenas felicidades e se alegre imensamente com elas, assim encontrarás, sem dúvida, A Felicidade


Quando acordou, o discípulo se deu conta do que o mestre falava. A Felicidade, que ele tanto procurou, não existia. Mas ao olhar pela janela, lá no horizonte, uma felicidadezinha toda quente e nova nascia, iluminando o céu. Surgia com o sol um novo dia que seria, este sim, repleto de FELICIDADES.

http://img85.imageshack.us/img85/6508/newcopy.jpg

Desejo que em 2010 você saiba dar valor a todas as felicidades que já estão na sua vida.
Desejo que você aproveite cada instante, sinta cada momento e se emocione a cada conquista.


Que bons ventos soprem sempre em seu caminho.

Abraços,
Vini Linné

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

As meias

De natal, ela esperava ganhar uma felicidade, não A Felicidade. Para ela bastava uma felicidade qualquer e nem precisava ser muito grande. Tinha o coração tão apertado que a felicidade completa sequer caberia. Qualquer felicidade usada já serviria, mesmo gasta, mesmo empoeirada, mesmo rasgada. Ela poderia remendar, não poderia? Poderia pintar, poderia limpar, poderia colocar na lapela e poderia fingir que era nova. Não poderia? Não? Por que não?

Ah, com que orgulho ela mostraria a todo mundo aquela felicidade micha, amarelecida pelo desuso. Ela correria nas ruas, como se fosse uma criança, e não a velha que era, e exibiria a quem quisesse ver: “Você ganhou uma bicicleta? Grande coisa, eu ganhei uma felicidade, olha. E é só minha, de mais ninguém no mundo!”

Quando chegasse a noite, ela dormiria exangue, agarrada com unhas sujas à felicidade puída. E, no raiar do sol, se amanhecesse viva, é claro, veria com olhos novos a felicidade velha. Veria com outras cores e ainda com mais alegria o presente do Pai Noel. Porque também com as crianças é assim: na manhã seguinte tudo brilha ainda mais intensamente. Acho que é medo da felicidade só ter existido em sonho.

Fato é que, ao invés da felicidade, deram à velha um par de meias de lã. Ela sorriu agradecida, embora acabrunhada. É que era verão... e ela tinha tão pouco tempo. Qualquer coisa que ganhasse, não viria a usar. Por que não lhe deram a felicidade? Mesmo que curta, pequena ou feia, dessa ela faria bom uso. Mas eles não entendiam... Queriam aquecer pelos pés o gelo que lhe faziam no peito. Deram-lhe as meias, foram-se embora do asilo, para a ceia-natalina-em-família. Como em família, se a vó ficava ali? De meias na mão e nenhuma felicidade no bolso?

Post Confuso (a pedidos)

Odiar o natal é cult... Mas eu não odeio. Logicamente, ele não tem para mim qualquer magia que outrora tinha. Também não viro repentinamente cristão devoto por ocasião. Mas natal tem festa, com comidas e bebidas e tem presente. Visão deveras materialista, desculpem. Tem mais, eu sei. Como por exemplo: no natal, ao menos no natal, as pessoas fingem que são boas e que gostam umas das outras. Além disso, elas escrevem cartões com votos bonitos, embora insinceros. E tem panetone, que eu gosto.

Calor. Calor. Calor. Disso eu não gosto. Verão aqui é inferno. Avalon cresce em tamanhos e manhas, a olhos vistos. Clichê. Post confuso, antes que eu esqueça, é meu fluxo de consciência. Embora o começo fosse bastar por si só. Gostei do tom infantil em uma parte e lembrei de outro livro. O que me faz lembrar que preciso estudar para a prova de mestrado... O que me leva a relembrar o ódio mortal por pessoas que “não podem fazer nada”. Nossa cabeça é mesmo um turbilhão. Turbilhão que, aliás, só funciona quando quer. Post confuso foi sempre de um parágrafo só. Por que eu dividi? Nem importa. Está quente e eu queria uma árvore só pra mim. E queria ligar para Ela, perguntando a que horas virá. E eu tenho sede, mas nenhuma vontade de ir tomar água. Tenho vontade é de escrever, mas nenhuma inspiração legítima ou original. E os cachorros latem enquanto papagaios gritam. Ninguém ainda descobriu qual é a avezinha da vizinha? Não. Só escutamos os gritos e ficamos intrigados. E agora vou ir adiantando o jantar de natal, que ficou aos meus encargos. Ao menos de cozinhar eu gosto. É como fazer bruxaria, é Como água para chocolate.


Felizes Festas! (escrito em vermelho, que é cor que eu gosto.)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Caçador de Serafins

Meus serafins estão de folga hoje, folgados que são. Estes anjos na verdade já nem me servem, estou disposto a colocá-los em escambo: troco-os por querubins usados ou elfos de importação. Ah, que nada. Só preciso é que trabalhem, que suem as barriguinhas rosadas, que penem até a última pluma das asas. Preciso que rendam, que minerem, que me explorem à gota máxima da saciedade.

Porque eu só queria voar nas asas dessa louca frota, descer em nuvens encardidas, a poluir o vento com pensamentos pretos. Mas nunca mais me chegam à janela os serafins. Beija-flores, borboletas, pardais e quero-queros, esses sim, mas onde estão meus serafins? E a janela nem é alta, até os falecidos gatos a conseguem pular.

Reduzido que estou, sem guardas em meu castelo, sem cavalos na carruagem, sem tronos no salão, cem coroas na cabeça, nenhum serafim? Procurem nos cantos, debaixo dos tapetes, enroscados nas teias de aranha, algum há de ter ficado para trás.

Não, nenhum ficou. Apesar isso, ainda coloco mel e água em dedais de ouro, só esperando o momento certo para eu, enfim, puxar a corda da gaiola.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Mercador

Ele disse que por dois xelins me venderia um segredo. Segredo de quem? eu perguntei. Meu, ele respondeu. Fazia sentido. Afinal, ninguém pode vender o que não lhe pertence. Pensei bem na proposta... Não era caro, especialmente se o segredo fosse valioso. Pois eu tinha exatos dois xelins no bolso. O pão que esperasse.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Apartamento 201

Mandou então que eu mantivesse nos olhos a venda e na boca a mordaça. Então eu não podia ver? Não. Falar também não podia? Não. Embora me mantivesse preso em outras teias, não amarrou minhas mãos. Isso é o que mais me assusta. Ela não amarrou minhas mãos, entendem? Eu poderia, portanto, arrancar a venda e a mordaça. Mas não arranquei...
Em troca de quê? De beijos passados, de toques amanhecidos, de sussurros vencidos. Eu me entreguei todo por muito pouco e me fiz prisioneiro cativo daquele cansaço.
Jogado no calabouço frio, irremediavelmente lânguido, desejava-me as torturas na pele. E as torturas não eram outras senão aqueles toques, rebocos de um amor vazio, arremedos de uma paixão doente.
Então era assim? Era. Eu era prisioneiro sem grilhões nos pés, sem algemas nas mãos, sem grades em volta e sem cadeado na porta.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Das lições de ontem

(texto dedicado ao Nelson)

Eis que eu precisava para hoje dois papéis que conseguiria ontem, na faculdade. Para evitar as viagens de ida e volta, bem como a perda de uma noite, combinei com uma amiga que ela retiraria os documentos para mim. Minha namorada, no entanto, disse que o melhor era ir eu mesmo. Assim, apesar dos desperdícios, poderia evitar qualquer desencontro. De fato, não me custava, estando eu livre na noite de ontem... Além disso, pouparia a messa de uma procuração. Fui eu mesmo então.

Eis que na faculdade fui direto à Secretaria Acadêmica. Tirei uma ficha, esperei alguns minutos e uma das atendentes me chamou. Expliquei o que eu precisava e ela, muito solícita, respondeu:
— É que hoje não pode ser.
— Como “não pode ser”? — digo entre palpitações.
— Infelizmente, não há ninguém que assine os documentos que você precisa. Mas posso deixá-los prontinhos e amanhã de manhã você os vem pegar.
— Isso também não pode ser. Moro em Tapera e não há meios de vir para cá amanhã. Além disso, preciso postar estes documentos amanhã, senão perco a vaga de inscrição.
— Sinto muito, mas minha assinatura não vale de nada, e não estando aqui o responsável...
— Sim, entendo... Vou ver o que consigo fazer e, qualquer coisa, mais tarde passo aqui. Obrigado de qualquer forma.

Lição 1: Sempre resolva suas coisas pessoalmente.
Por mais empenhada que minha amiga estivesse, não caberia a ela resolver as complicações que acabavam de surgir. Dei graças por ter ido eu mesmo.

Pensei um pouco no que fazer. Às vezes, com um pouco de pressão, se consegue encontrar alguma resposta. Pois bem, procurei ao coordenador do meu curso, afinal, ele estava ali para nos facilitar a vida, certo? Errado. Sempre errado.

Expliquei-lhe o que acontecia e ele me chamou de brasileiro, tipo que deixa tudo para a última hora. Não perdi minutos explicando que só na sexta-feira soubera do curso de mestrado e que as inscrições de fato encerravam amanhã. Eis que veio sua máxima:
— Desculpe, mas eu não posso fazer nada.

Lição 2: Jamais diga “eu não posso fazer nada”.
Se alguém procura você com algum problema é porque precisa da sua ajuda. Há uma diferença enorme entre não poder e não tentar. Se você é o responsável por alguma coisa, seja Responsável. Eu trabalhei em contato com o público por alguns anos e sempre que não podia fazer nada, ligava para alguém que podia, explicava o problema como se fosse meu e encaminhava a pessoa para a solução. Aprenda: você sempre pode fazer alguma coisa, só o que impede é o comodismo.
Lição 2.1 (um adendo): Gramaticalmente é incorreto usar em uma mesma frase duas palavras de sentidos negativos, como é o caso de “não” e “nada” elas se anulam. Quem NÃO pode fazer NADA, pode fazer alguma coisa, até pelas normas gramaticais.

Depois de alguma insistência ele disse que o máximo que faria era pedir às secretárias que redigissem um atestado de que eu me formaria. Ok. Pelas idas de meu desespero aceitei com mesuras.
Redigiram por quase uma hora duas frases. Não quero parecer mal-agradecido, mas acontece que me entregaram um papel com um erro de acentuação e dois de concordância. Além disso, colocaram o carimbo do coordenador e a assinatura, visivelmente, de outra professora.

Lição 3: Quando o assunto é importante, trate-o com importância.
Como eu enviaria um “documento” daqueles para uma inscrição de mestrado em outra faculdade? Primeiro porque sou do curso de Letras e isso me exige alguma coisa em matéria do bom português. Além disso, minha universidade não demonstraria muita excelência com um papel de pão daqueles.

Assim também não podia ficar. Era uma questão de me preservar e preservar a própria universidade em que estudo. Vaguei pelo campus em busca de uma resposta. Desde pedir se eles possuíam um scanner até solicitar que me enviassem o documento por fax na manhã seguinte...
Foi então que lembrei da administração no centro da cidade. Ora, se no campus não havia ninguém para assinar, talvez lá houvesse. Liguei.

Lição 4: Sempre há alguém mais importante que quem lhe atendeu.
Isso já aprendi faz tempo, mas fica a lição: sempre que você receber um não ou for mal atendido, procure um superior. Longe de “delatar” o funcionário que não cumpriu as suas expectativas, você está cuidando de resolver seus próprios problemas. Além disso, como foi no meu caso, a funcionária tinha ordens superiores que a impediram de me entregar o papel sem a assinatura adequada, ordens “ainda mais superiores” poderiam resolver o problema.

— Alô.
— Oi, com quem falo?
— Nelson.
Vasculhei a mente de forma rápida: como perguntar sua função de forma cortês? Sim, porque um nome pouco me dizia, poderia ser o porteiro, o guarda, algum secretário... e nenhum deles precisaria ouvir minha triste história.

Lição 5: Fale sempre com quem pode resolver seus problemas.
Não fique se lamuriando para todo mundo que disser “alô”. Sinceramente? Você não precisa explicar o que quer para as secretárias, atendentes e etc. Primeiro porque elas não poderão tomar decisões que não lhes cabem, segundo porque ouvirão só por paciência...

Melhor do que perguntar sua função, era, pois, pedir para falar com alguém da administração. Foi o que fiz.
— Eu sou o administrado. Pode ser comigo?
Pois podia. Expliquei todo o caso até ali. Ao final ele me respondeu:
— Então procure a encarregada pela Secretaria Acadêmica.
— Pois é justo ela quem não está!
— Xih... Então vá até lá que falarei com a atendente. Vou ver o que posso fazer por você.
Era isso que eu esperava ouvir essa noite. Que alguém se dignasse a resolver esses meandros burocráticos e facilitasse minha vida.

Lição 6: Trate os assuntos dos outros como se fossem os seus.
Foi isso que fez o Nelson. Tratou do meu caso com a importância que daria se o problema fosse dele.

Quando cheguei na Acadêmica a moça que me atendera antes já falava com ele ao telefone. Aguardei alguns instantes e ela me chamou. Disse que havia um jeito.


Lição 7: Nunca se desespere. Estamos no Brasil, ora, sempre há um jeito.

Caso a vice-reitora assinasse, não haveria problemas. Ótimo, pensei. Porque a vice-reitora era minha conterrânea e eu a tinha em muita estima. Enquanto eu perguntava onde poderia encontrá-la, o telefone tocava novamente.
O tal Nelson estava verificando que ela conseguira resolver minha situação. Enquanto falavam , eis que a moça desliga apressada, explicando a ele e, consequentemente, a mim, o motivo: ela acabara de ver a vice-reitora estacionar o carro. Correu à janela.
A professora Sirlei, muito polida, disse que não haveria problemas e ainda acenou quando me reconheceu.
A moça voltou, pedindo que eu fosse ao caixa pagar as taxas referentes aos documentos que, enquanto isso, ela iria levar os papéis para que a professora assinasse.
Paguei, voltei e recebi os documentos, por fim.


Lição 8: Agradeça!
Nada pode ser mais importante do que agradecer. Isso reconhece o trabalho e o empenho do outro.

Agradeci muito à moça que me atendeu. Afinal, ela o fez com uma educação e uma cortesia ímpar. Além disso, estava disposta a me auxiliar, dentro do que podia fazer, sem quebrar as regras internas.
Fiz mais. Liguei ao Nelson.
Quando ouviu minha voz deve ter pensado que eu ligara para reclamar. Ao contrário. O fiz puramente para dizer “Muito Obrigado” e que minha situação se resolvera.
Pude ouvir seu sorriso. E era um som incrível, porque misturava sua grata surpresa à minha grata ingenuidade. Aquele sorriso disse muito. Disse que ele não estava acostumado a receber ligações desse tipo, portanto me considerava meio bobo. Quem gastaria em uma ligação de celular para agradecer por ele ter feito sua função? Ora eu gastava, com vontade e prazer imenso.

Talvez para ele foi só um “ligar para a moça da Acadêmica”, mas para mim esse ato teve a distância entre eu concorrer a um mestrado ou não. Por isso eu agradecia e ouvia seu riso embevecido.

Ontem o Nelson salvou meu dia. E acho que salvei um pouco o dia dele também. Ele me mostrou que ainda há competência e empatia. Eu lhe mostrei que ainda há reconhecimento e gratidão.

A ele, que pessoalmente nem conheço, mais uma vez: Muito Obrigado.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Antes do (meu) baile verde

O zíper fechado
Os sapatos calçados
Os brincos pendurados.
e os olhos pintados.

Amanhã Clarice vai ao baile.
Vestida, ricamente vestida.

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É amanhã que apresento minha monografia...
Mal posso esperar...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A casa do escritor

E a casa, que de nova tantas alegrias deu, infestou-se de ratos e baratas. A imundície foi se espalhando, as paredes ruindo, nossos escritos sendo consumidos pelas traças vorazes. Lutamos, brigamos, nos engalfinhamos. Tudo sem propósito. De repente encontramos uma casa nova, ainda com cheiro de tinta. Fizemos as malas e fomos. Espantados, curiosos, temerosos... Espalhamos nossas caixas, penduramos nossos quadros e, pouco tempo depois, podíamos chamá-la de lar.


Não sou de fazer dessas, mas tudo tem um limite.
Quem é escritor, amador ou não, e está em busca de um lugar para a troca de idéias e opiniões, entre na Casa do Escritor II.
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PS: É preciso ter Orkut...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Eu me desejo

Todos me desejam felicidades. Eu aceito. Aceito tudo que me dão.
Mas o que eu me desejo?
Eu me desejo paciência, coisa que andei perdendo. Eu me desejo alegrias, desde as mais pequeninas, até as maiores. Eu me desejo amar e em troca amado ser. Eu me desejo muitos livros para ler, muitos filmes para ver e algumas músicas para ouvir. Eu me desejo surpresas boas. Eu também me desejo saúde, sucesso e sexo (sic). Eu me desejo dinheiro, ao menos para realizar meus desejos. Eu me desejo viagens, muitas delas. Eu me desejo um outro lugar, uma outra cidade, umas outras gentes, mais interessantes.  Eu me desejo risos, milhares de risos, e todos sinceros. Eu me desejo experimentar da vida, portanto me desejo também algumas lágrimas poucas. Eu me desejo inspiração constante. Eu me desejo um trabalho apaixonante. Eu me desejo tempestades ao entardecer. Eu me desejo peças de teatro e shows de rock. Eu me desejo conversas com os amigos. Eu me desejo fé. E eu me desejo, enfim, felicidades.
Que bons ventos soprem, desta vez em minha direção.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Recadilho

É bonito de ver como os ratos de casaca
admiram-se nos espelhos de prata.
Esquecidos, completamente esquecidos,
de que são só matéria barata.


 

Sou paradoxal. Quando tenho muito a dizer, falo pouco. Uma quadrinha e está dado meu recadilho.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A noiva

Hoje o sol nasceu em mim, por isso me fiz a noiva do dia. Não quero mais as marcas negras lacerando a carne. Não quero mais os vícios somente passíveis de algum sentido. Quero o sol nascendo em mim, me renovando toda, me fazendo alma inteira. Não quero mais doer sozinha, nem sangrar no hospital dolente. Quero me refazer no vivo ar, subir pela fumaça do meu cigarro. Quero ser azul e diáfana, quero ser o céu onde nasce o sol. Não há mais lugar para você na minha vida. A cama estreitou, bem de repente. E agora eu sou completa, infinita, azul e celeste. Vivo por mim e pelo sol, esperando a morte, que virá com a noite. Mas deixa de lado minha escuridão, que agora sou só a noiva louca de Apolo.

E sentir o sol nascer em mim é bom. Sentir a luz quente invadindo meu corpo, penetrando minha carne, derretendo meu sangue. Sentir que a luz me ama mais, me consome inteira, me incendeia levemente, de dentro para fora. Do útero para a pele. Meus poros todos abertos, minhas cavidades santas expostas. Irradio fogo do plexo solar. Você nunca me queimou desse jeito. Nunca me tocou tão fundo quanto ele. Você nunca me fez de banquete. Nunca desejou me consumir inteira, me fazer incorporar em ti, me devorar.

Teus beijos eram só carícias surdas, enquanto o que eu precisava eram mordidas de fome. De que me serviam teus lábios roçando minha pele, se o que eu queria era teus dentes cravados na carne? Ele me crava os dentes na carne, o sol. Ele me espeta inteira com raios fálicos e torturantes. Ele desliza no suor que me causou no corpo, escorre lento nas minhas costas nuas e entre os seios brancos. Ele me faz de seu cigarro, me queima, me traga e depois me sopra toda de volta pro céu.