sábado, 28 de fevereiro de 2009

A Hoste do Arlequim

"e quem me ofende, humilhando, pisando, pensando
que eu vou aturar
e quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
(estou me guardando pra quando o carnaval chegar)
eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem me dera gritar
(estou me guardando pra quando o carnaval chegar)"

Eu queria guardar este dia para sempre. Lembrar dele a cada ano. Foi um dia depois do carnaval, pena o carnaval ser moço brincalhão e pular sempre de data em data, assim fica difícil guardar em minha memória de associações.
Um dia depois, o carnaval chegou.
Foi momento de decidir: conduzir a vida, ou ser conduzido por ela? Assumir os riscos de um mergulho incerto ou tolerar o cômodo inferno? Construir o futuro ou destruir o presente. Escolhas complexas demais, eu tenho só 21 anos.
Naquele instante separou-se o homem do menino, mas juntou-se a ambos uma alma nova. Você já pensou a quantas prisões nos submetemos pelo medo de arriscar? Quantos sonhos matamos pela falta de coragem de trocar nossa vida infeliz, porém segura, pelo risco de acertar?
Atitude certa? Atitude errada? Atitude.
Encare isso, você nunca vai saber se não tentar. A vida não tolera o comodismo, a vida é movimento, é atitude. Nenhuma situação é definitiva, tudo é risco e há em tudo chance de dar certo.
Não perdôo Deus, mas este deus sou eu. Eu não me perdôo pelos riscos que deixei de correr, pelas coisas que evitei conquistar por medo da derrota. Eu não perdôo meu comodismo em deixar a vida passar, em me deixar levar para onde quer que fosse.
Eu posso até não me perdoar ainda, mas eu sei que assim não dá para continuar. Se eu me submeter mais uma vez, o restinho que carrego da minha essência se esvai. Desta vez, só desta vez, para começar, eu vou ser forte. Eu não vou ter medo, eu vou dominar o meu destino.
Se tudo der errado, paciência. Prefiro saber que fui derrotado em combate do que me render sem erguer minhas armas. A espera tem fim. A vida é agora, o momento de ser melhor é agora.



“Vivemos esperando, o dia em que seremos melhores”

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Perdoando Deus

“Tem gente que recebe Deus quando canta
Tem gente que canta procurando Deus
Eu sou assim com a minha voz desafinada
Peço a Deus que me perdoe no camarim”

Esta carta é àquele que tudo vê, tudo sabe e tudo tem.
Tudo tem, exceto o meu perdão.
Não, deus, eu não te perdôo, nem sequer respeito aquelas tuas malditas letras maiúsculas.
De nada adianta esse teu rosto vermelho e inchado, esse teu manto de lágrimas, essa voz doce ainda que triste. Não me chame de filho, porque não és o meu pai. Sem chantagens agora. Eu já disse: não te perdôo.
Não te perdôo pelas vezes em que gritei teu nome aos prantos e mandaste dizer que não havia ninguém em casa. Não perdôo pelas perguntas ditas que jamais respondeste. Não perdôo pela ausência dos sinais e da misericórdia que eu implorava. Não perdôo pelas vezes que me ajoelhei e não estavas lá. Não te perdôo pelos caminhos em que me trouxeste e por esta parada miserável. Eu não perdôo pelos sonhos que você quebrou, pelos planos que estragou, pelo destino que me traçou.
Eu não quero mais te ouvir dizendo que foi tudo para o meu bem. Que estavas o tempo todo tentando acertar. Deus não erra, é o que todos dizem. Mas você errou, e errou feio. De que adianta agora me pedir perdão? Dizer “olha, isso é a sua vida. Eu tentei consertar, achei que estava fazendo certo, mas agora percebi que não tem conserto. Sei lá, se vira com o que sobrou, desculpa aí.”
Não te perdôo, nem agora, nem em mil anos. Não perdôo por ter me largado com o que sobrou, com o que não dá para colar, com os parafusos que já não cabem no arranjo incompleto. Não perdôo pelos caminhos que eu não passei, pelas coisas que nunca tive, pelas viagens que jamais fiz. Não perdôo porque tu poderias ter me dado tudo, me dado o mundo, mas não quis. Não perdôo porque Deus deveria escrever certo por linhas tortas, deveria ser bom e justo e jamais deveria ter que pedir perdão.



“Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.”
(Clarice Lispector)

"Nobody call Him on the phone"
(Joan Osborne)


sábado, 21 de fevereiro de 2009

O Orgulho do Algoz

Às vezes eu escrevo para não explodir.
Porque escrever me faz um leão manso e adocicado.

E o que acontece no dia em que eu cansar de pedir perdão?
Espero mesmo que minhas faltas todas tenham o peso exato de tuas punições. Porque se você pensar... Será que meus pecados invocam tanto a ira de teus deuses? Minhas coisas bobas ganham dimensões estrambóticas em teus emaranhados. Às vezes eu canso de pedir perdão. Desculpe por eu ser um tanto infantil e bobo. Desculpe por eu ser menino e brincalhão. Desculpe por tudo que achas justo eu me desculpar.
Será que tu não percebes? Eu poderia ser tão pior, eu poderia ser como eles, como todos os outros... Mas que motivos tens para me sacrificar? Não traí, não menti, eu só sorri.
Cortem-me a cabeça por eu ter sorrido quando resvalaste.
Então é isso? Nós mudos, sem toques, sem beijos, sem nada.
Embirrados, aproveitando muito bem nosso tempo mortal. Porque às vezes, em noites assim, eu me viro e suspiro, esperando teu abraço. Mas teu braço não vem. Nunca, e eu disse Nunca.
Bom saber que teu orgulho é menor que tua fome, mas maior que teu amor.
Por que sou sempre eu quem deve correr atrás? Por que sou sempre eu que estou errado? Por que seus abraços nunca vêm?
E o que acontece no dia em que eu cansar de esperar em vão?
Eu deitado na cama, quase nu. Doce, nos cabelos o cheiro de maracujá. Selvagem, na pele o cheiro de morangos maduros. Todo por ti...
Me desperdiças.
Poupas água e me jogas fora. Um dia será que não sentirá falta daqueles momentos não vividos? Sentirás falta do quanto de mim deixaste escorrer no ralo dos dias.
Meu corpo poderia estar no teu corpo. Minha boca poderia estar na tua boca. Minha pele na tua pele, minha alma na tua alma.
Não.
Os dois deitados feito linhas paralelas que jamais se cruzam.
Eu errado, nem lembro mais o porquê. Você orgulhosa demais para me tocar, me abraçar, me sorrir.
Eu espero que teus motivos valham a dor. Eu espero que seja bom para ti ficar assim. Eu espero que isso te faça algum bem, porque para mim não faz. Mas e não é essa a intenção do teu castigo? Não é essa dor que sinto a punição pela minha falta?
É, acho que sim, mas hoje nem quero forças para lutar.
Brindemos a justiça e o orgulho do algoz.
Acato tua decisão. Sem discussões. Seja machado, forca ou cruz. Seja teu silêncio ou tua falta de carinho.
Aceito e não luto. Não discuto... Tampouco serei louco de outra vez pedir perdão.
Não agora, não mais. De vez em quando eu também tenho razão.
Não será meu o primeiro carinho.
Estou cansado de dar o braço a torcer...
Além do mais, me tocar não vai fazer cair tua mão.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Biografia

(Cecília Meireles)

Escreverás meu nome com todas as letras,
com todas as datas,
— e não serei eu.

Repetirás o que me ouviste,
o que leste de mim, e mostrarás meu retrato,
— e nada disso serei eu

Dirás coisas imaginárias,
invenções sutis, engenhosas teorias,
— e continuarei ausente,

Somos uma difícil unidade,
de muitos instantes mínimos,
— isso serei eu,

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,
aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente,
— Como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias,
transparentes e opacos, segundo o giro da luz,
nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,
leves e livres corno a cascata pelas pedras.
— Que mortal nos poderia prender?

Os quatro loucos

Um louco para a todos conhecer
Um louco para todos encantar
Um louco para cair
Outro louco para se jogar.
(V.L.)



De repente uma vontade louca de subir na torre, talvez para enlouquecer feito Ismália. Não para se jogar, meramente para subir. Se aqui embaixo as respostas não estão, onde mais resta procurar?
A luz vermelha me grita lá do alto, ela invoca minha mente e evoca meu corpo. Vem... vem...
Vou. Um dia eu vou, um dia, em busca de uma borboleta branca e irreal eu vou ao alto da torre. Distraído e inconseqüente, verei de cima para baixo o que a vida toda vi de baixo para cima.
É só uma torre, é só uma escalada, é só a vitória ao medo de altura.
Coisas simples por fora, mas por dentro... verdadeiras epifanias.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Dos blogs que se foram

"Lonely Soldier go home,
Lonely, but never alone..
Good eyes, see nothing to shoot
Good feet, feel good, givin' up good boots "

Eu estou vivo? Vivo!
E estar vivo é tão bom assim quando todos os outros caíram no campo de batalhas?
Eu respiro a fumaça que um dia foi alma, parte daqueles que já não escrevem. Todos os nomes lapidados em mim agora são tatuagens nos vincos da terra.
Todos que me emocionaram congelaram no tempo, dormiram nas horas, despedaçaram-se alhures. Todos são plaquetinhas de metal que já não sonham. A mulher de raios e flores, a poetisa com desabafos da lua, o bom menino crítico e sereno, as insanidades e inquietudes de Bárbara, as lembranças cansadas de quem já não me esquecia, as bruxas, as ladras e os vampiros, todos eles deitados. Dormindo?

Não, não dormem, criança, porque já não sonham. Eles todos se foram e você ficou.
Ficou feito Anjo Maldito que é. Imortal em sua solidão tão sublime quanto asquerosa. Você ficou, condenado a ficar, condenado a ser. Anjo amaldiçoado, você ficou porque maldições não se quebram e anjos não morrem. Jamais.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O que você faria?

“E se eu desmoronar
Se não pudesse mais aguentar
O que você faria?”

Ontem, eu estava quase dormindo.
Por que dormir é tão importante?
Porque dormindo eu esqueço. Esqueço dos meus problemas, esqueço que estou vivo, esqueço que vou acordar.
Ontem, eu estava quase dormindo...
Foi quando você me fez sufocar nas águas que eu queria evitar.

Não, não entenda mal... Eu não fiquei zangado, nem nada disso. Eu só fiquei pior.
Pior, porque, apesar de tudo, é quando eu te machuco que me dói mais.

Desculpe se eu desviar meus olhos, é que eles doem demais sobre o peso do que eu ainda não consegui chorar.

“Look in my eyes
You're killing me killing me
All I wanted was you”


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Vinho tinto na renda branca

"Come break me down
Bury me, bury me"

Se eu chorar te comove, então leia que estou chorando.
Eu queria aqui não ser exagerado, hiperbólico e todas estas coisas mais a que estamos tão bem habituados. Tu sabes que tudo em mim é forte, é quente, é ao máximo aquilo que pode ser. Então, mesmo que em face de menor tristeza, eu posso muito bem dizer que destes olhos amendoados brotam lágrimas de sangue. É, muito reticente ao Romantismo, eu sei. Mas sou romântico, e realista, e surreal também.
Fato é que, dentre estes exageros (e interprete tudo isso extremado), eu me mataria se tivesse uma banheira. Porque agüentar deixou de ser opção quando eu me deixei levar pela vida. Eu preciso descer da estação, trocar de trem, encerrar a viagem ou o que quer que seja.
Sem preocupações. Sabes melhor do que eu que minhas ânsias suicidas são meramente poéticas, que minha vontade de morrer é metafórica. Embora a banheira fosse uma tentação, se eu a tivesse...
Li que o pulso tem poucos nervos (meu problema sempre foi com a dor, não com a morte). Li que a banheira cheia de água quente relaxa ainda mais os músculos e facilita o escoamento do sangue.
A água tornando-se rubra (é minha cor!), meu corpo tornando-se branco (gosto do contraste)...
Fato é que nem para matar eu tenho o ódio suficiente, a abstinação necessária de acabar de vez. A vontade real me falta e tu sabes disso.
Se a morte fosse minha esposa, esconderia como amante a vida. Embora não ame nenhuma delas, o que é relativamente cômico.
E o que nos resta quando se chega a este ponto? Responda! Quando não se quer mais chegar a lugar algum e nem se tem a coragem de saltar do trem em movimento?
Aha. Tu também não sabes, não é mesmo?
Se nem tu sabes, onde vou achar a esperança que me é negada?
Quanto a mim, ora, não te preocupes. Não feches as janelas, nem escondas as lâminas e as facas. O suicídio é um crime passional demais para mim, que ando tão frio e analítico. Este foi só um pensamento ruim de quem não é verdadeiramente triste, mas está cansado de tanto não ser feliz.



Why can't I fly?

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Dúvidas que alguém tem

"Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
"

Será que algum dia alguém vai me ler com a mesma paixão com que leio Clarice?
Ou alguém virá dizer que não entendeu nada do que eu escrevi?
Talvez digam que eu bebia, fumava... escrevia enquanto “viajava”.
Quem sabe ainda estarei na capa de um TCC, não meu.
Será que algum dia vão espremer minhas linhas para tirar minha vida da superfície do que não se leu?
Eles pensarão então que meus contos, os mais tontos, foram coisas que eu falsamente vivi.
Já vejo um estudante enjoado, obrigado a me ler. Procure resumos na internet, porque amanhã é dia de vestibular.
Mas a cada dez obrigados, há um (será?) que pelo menos me lê com prazer repentino.
Alguém que guarda minhas obras para serem lidas aos poucos, para nunca acabarem.
Antevejo o futuro sombrio e distante, meus livros empoeirando à estante, intocáveis pelo barulho das horas.
Estarei onde? No sebo, na livraria, nos vendedores ambulantes, na portaria?

— Oi. Você tem algum livro de.. Como é mesmo o nome dele? Acho que é Vinicius Limé...
— Não seria Linné?
— É... pode ser.

E agora? Está esgotado, desbotado, estragado, emprestado?
Deixe-me, Deus, ver só mais um pouco, preciso saber.
O que, afinal, o homem da biblioteca irá responder?



segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A Lucidez Perigosa

(Clarice Lispector)

"Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço. Além do que: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes. Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém."

À luz e outras sombras mais



Acendam rápido a vela que hoje eu quero chorar.
Quero me despedir do que foi e não pôde voltar.
Dos sonhos que desamarrei e não vou mais atar.