quarta-feira, 29 de outubro de 2008

E chove em Tapera III

— Eu não disse que um dia voltaria para cá, só para te ver caminhando na chuva?
— O quê? Mas você...
— Quando vi alguém andando assim, sem guarda-chuva, num toró desses, imaginei que seria você.
— Você é... Você é...
— Louco?
— É.
— Tem certeza? Pelo menos eu não estou passeando na chuva...
— Bobo.
— Brincadeira. Quer uma carona no meu guarda-chuva?
— Quero.
— Sério?
— É. Por quê?
— Não, eu só achei que não ia aceitar... Afinal, você gosta tanto da chuva que pensei...
— Não aceitei para me proteger da chuva.
— Então por quê?
— De que outra forma eu poderia ficar assim, tão perto de você?
— Ah, por favor, não faz isso...
— Isso o quê?
— Me seduzir.
— Por que não?
— Porque desta vez eu posso não resistir...
— Ok, Obrigada então, pela carona.
— O quê?
— Eu moro aqui.
— Ah, certo. E você... não vai me convidar para entrar?
— Não.

sábado, 25 de outubro de 2008

Texto em branco

"Bico calado, muito cuidado, que o homem vem aí"

Eu preciso do direito ao silêncio, tanto ou mais que do direito ao grito. Porque o silêncio é marca maior que a palavra. Diz mais em seus sussurros de vento do que ousaríamos.

Quero o sabor de um texto tranqüilo, mudo, todo silêncio. Preciso da promessa que cala.
Todas as artes usam o silêncio dramático. Nos quadros o branco, nos palcos o mudo, nas músicas as paradas, nos poemas o espaço.
Silêncio.
Meus poemas sempre foram corridos, meus textos escorrem cheios de burburinhos. Alminhas pequenas e corroídas correm, pulam, sapateiam e falam à minha volta. Minha mudez é impossível, ao meu silêncio não há espaço, minha tranqüilidade me é negada.
Eu queria dizer tanto neste espaço vazio. Mas falta a habilidade de escrever sem palavras. Até as entrelinhas eu consigo preencher.
Carrego o papel de tintas rikins. Pobre papel, quem o dera ser branco. Quem me dera receber cartas brancas em envelopes pardos, via correio, via malote, voam os pombos, sempre cinzas, nunca brancos.
Sonhos brandos? Quem me dera. Tão agressivos os dias, os sonhos e essa metralhadora máquina de escrever.
Tec, tec, tec. Um som para cada letra.
Tec, tec, tec, Um som para cada pingo.
Chove.
Chove nas casas, chove nas ruas, chove nos carros que passam, nem a Deus o direito de nos dar o silêncio.
Há sempre um barulho existencial, tudo que existe ressoa com uma total falta de escrúpulos.
Silencie o mundo todo e ainda ouvirá sua respiração, seu coração batendo. Nem a morte é silêncio. Cadáveres também falam, cada vez mais.
E o que chamam de caos, a imaterialidade total, o antepassado de tudo que existe, seria ele um velho silencioso?
Foi então que ouve a explosão, o barulho da explosão e nada mais ficou quieto. Queria inundar os meus textos na mudez patética em que fico algumas vezes, antes de viver. O menino que tudo olha e pouco vê.
E o futuro não muda, apenas as cartas de vê-lo é que emudecem. Talvez vergonha de estarem sempre erradas, de fazerem suas boas promessas tolas.
Tec, tec, tec. Um som para cada segundo.
E eu o que fiz destas horas?
Reticências.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Z

Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei

Eu era ainda tão criança quando um professor, mais nordestino que matemático, falava geometrias e escrevia tuas melodias no negro quadro, ao passo lento de nosso desinteresse.
Ríamos de eco em couro, um riso solto e bem debochado:
"Ele escuta aquelas músicas, coitado!"
Ah, que fosse ele ouvir tuas músicas então e deixasse de nos importunar com aqueles triângulos cheios de ângulos ora obtusos, ora obscenos.
Havia muita via, muita vida, para nos preocuparmos com aqueles números ou com tantas letras.
Não queríamos parecer caretas.
Éramos coloridos e traçávamos sonhos, nos teciam as esperanças, e as aspirações navegavam no nosso infinito mar de problemitudes.
Que coisas complexas vivíamos aos treze anos! Meu Deus...
Em nosso trono, éramos tão importantes senhores de um reino sem reis, quebrando e debochando das leis.
Fazendo do apreciador da tua arte o nosso bobo da corte.

Mistérios da Meia-Noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão se ficam
Quem vai quem foi...

Três fantasmas vieram me tirar para dançar.
O passado reneguei, o presente desperdicei, do futuro pisei no pé.
Eu não podia mais fazer parte daquela turma de reis, percebi que eram eles os bobos da corte.
Subi no alto de uma torre de marfim e entre a loucura e o suicido, optei pela solitude.
E muitos anos se passaram assim.

Eu desço dessa solidão
Espalho coisas sobre
Um Chão de Giz
Há meros devaneios tolos
A me torturar

Um riso rubro, quase malícia de uma menina me implorando à cama, fui eu seu lobisomem, seu professor.
Na noite de suspiros e suores de gemidos e amores, tu cantavas ao nosso lado.
Era, talvez, a primeira vez que te ouvia.

Baby!
Dê-me seu dinheiro
Que eu quero viver
Dê-me seu relógio
Que eu quero saber
Quanto tempo falta
Para eu lhe esquecer
Quanto vale um homem
Para amar você...

Nos devorando como animais, fomos deuses ancestrais e canibais.
Tão humanos que imortais, pecadores imorais, perdidos em nossos jogos de sarcófagos antropófagos, dias à lua, noites ao sol.
Brincamos de risos loucos que era eu o seu michê.
Encontrou depois, uma moeda minha, caída na cama. Deu-me e disse, com olhos de onça, satisfeita e assassina, que era muito menos do que eu valia.
E quantas madrugadas tua voz ditou o compasso, depois acelerou meus passos quando ia sozinho, voltar à torre de meu marfim.

Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada se apaixonou...

Ela teve medo. Pelo fio do fluir dos anos, de tua música. Os mistérios de um lobisomem causavam choro quando ela criança era. Agora, toda desabrochada mulher, ri da tolice, tem seus próprios mistérios, à meia-noite é ela que impera. Sou eu seu lobo, sou eu seu homem. O medo derreteu-se e ela lambuzou as mãos da mais completa fascinação.
Com estrelas nos olhos castanhos falava teu nome e cantava tua voz. E assim me foi seduzindo, plena sereia, e assim me foi convencendo a sair da areia, entrar nos desertos do mar, para ser devorado ou talvez devorar.

Paisagens abertas, desertos medonhos
Léguas cansativas, caminhos tristonhos
Que fazem o homem se desenganar
Há peixes que lutam para se salvar
Daqueles que caçam em mar revoltoso
E outros que devoram com gênio assombroso
As vidas que caem na beira do mar

Noites que se foram, viagens intermináveis. Dias cansativos, dias de chorar, dias de fazer amor, dias de se odiar. Todos pássaros, passaram.
E na noite eu estava contigo.
Era tua voz que entrava silenciosa em meus ouvidos enquanto rodas velozes empurravam para trás o asfalto quente.
Era tua rouquidão que embalava meu sono, entorpecia meus pesadelos e alegrava meus sonhos.
Fui tão triste.
Fui tão feliz quanto.
Todas as noites que passaram, todas as noites que virão, teu som.

Toco a vida prá frente
Fingindo não sofrer
Mas o peito dormente
Espera um bem querer
E sei que não será surpresa
Se o futuro me trouxer
O passado de volta
Num semblante de mulher

Uma bolinha girando no ar, tão rápida que faz zunido nenhum, nem um zum, na cabeça da gente. Um dia de insuportáveis cigarras, execráveis cigarros e bárbaros bêbados. Um dia de esperas sem desesperos, de vidas suspensas e ouro bem pago.
Qualquer coisa, faríamos. Era para ouvir tua voz.

No aroma de amores pode haver espinhos
É como ter mulheres e milhões e ser sozinho
Na solidão de casa, descansar
O sentido da vida, encontrar
Ninguém pode dizer onde a felicidade está

E quando chegaste e quando falaste e quando tocaste e quando cantaste.
Shhhhh..... É silêncio n'alma então.
O mundo, sabemos, não acontecia fora do palco teu.
O relógio suspenso e surpresos os deuses do tempo, como ele o pôde parar?
Não era mais de medo que a menina chorava.
Eu ia chorar muito além, bom tempo depois, só quando entendesse que aconteceu.
E era real? Nós cantamos todos juntos?
Meus braços feito serpentes sufocavam o corpo quente daquela que também não acreditava.
Imagine num sonho, deslumbrados por poder te ouvir.
O coração vinha à pulos, à boca cantar, errava a letra e voltava ao peito, bater ou parar?
E eu dizia a ela, sim estamos aqui, mas sem acreditar.
Nos raios de luz, tornei eternos momentos, como uma medusa a te capturar.
Foi tanta coisa a sentir, é tanta coisa a falar, que o melhor mesmo é calar.

Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas
Que vieram como gotas em silêncio tão furioso;
Derrubando homens entre outros animais,
Devastando a sede desses matagais;
Devorando árvores, pensamentos seguindo
A linha do que foi escrito pelo mesmo lábio tão furioso.
E se teu amigo vento não te procurar
É porque multidões ele foi arrastar.



terça-feira, 14 de outubro de 2008

Pingos

"Deus está na chuva"

Quem é aquele homem, que se esconde de mim debaixo de árvores e mezaninos? Que corre apressado para eu não lhe pegar? Cabeça baixa e passo rápido, ele não quer se molhar?

Aquele homem sou eu.

Ingrato. Busquei da montanha mais alta o gelo mais branco. De cada mar trouxe uma pérola d’água. Busquei as gotas do rio mais doce, e no caminho apanhei algumas lágrimas também, para que não precisasses chorar. Corri por léguas desertas, extraindo vida da areia. Voei sobre Paris, para lhe trazer um pingo de lá. Eu trouxe do vinho o mais rubro e do sumo o mais raro.
Procurei as águas que já te banharam, desde a infância. Busquei das cascatas que admiraste nas fotos. Colhi gotículas de orvalho nas roseiras em flor. Apanhei a saliva dos beijos, a evanescência das brumas, a beleza dos céus e as trouxe para ti.

Foi então que percebi. Quem era aquele homem que fugia da chuva? Onde estava o menino que andava feliz dentro dela? Eu corria, veloz, com cuidado inútil para não me molhar. Era preciso manter as roupas secas, o celular funcionando, os sapatos novos, a carteira intacta, os óculos límpidos.
Foi quando choveu que me dei por conta, o menino já não estava mais ali. Na certa cansou de tanto ser ignorado e foi brincar de bola em algum terreno baldio. O homem que ficou nem sempre é o que eu gosto.
Parei.
Cinco horas da tarde, o planeta girando, a chuva caindo, as pessoas correndo e eu ali, parado no centro de tudo. As primeiras gotas que senti no rosto me fizeram sentir vivo.
Uma vida pulsante, tantas águas buscadas de mares não navegados, especialmente para mim. Eu fugia da chuva, da essência da vida. No que eu me tornei? E os sonhos bobos, as esperanças frívolas, toda aquela graça do menino que caminhava na chuva, mesmo quando trazia o guarda-chuva?
A água escorrendo no corpo, meus passos no meio da rua, seguindo aquela linha reta de paralelepípedos, os olhos fechados, a boca entreaberta. A roupa colada, os cabelos caídos, um pouco assim, sobre o rosto.
O menino voltou. E veio sorrindo, pegar minha mão.

domingo, 12 de outubro de 2008

Borboleta

Borbo
Leta
Letas
Letras
Litas

Tá Ali?
Tá,
Talita

[inspirado em Balalaica de Maiakovsky]

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Sem tempo

É preciso acender a luz
É preciso caminhar os passos
É preciso fazer o trabalho
É preciso ver o número
É preciso concluir a ficha
É preciso enviar o laudo
É preciso postar a carta
É preciso comer o almoço
É preciso ver o site
É preciso escrever o texto
É preciso mandar o e-mail
É preciso acabar o plano
É preciso tomar o suco
É preciso ganhar dinheiro
É preciso perder as horas
É preciso correr à casa
É preciso tomar o banho
É preciso cantar a música
É preciso ensaiar a letra
É preciso comer o lanche
É preciso pegar a pasta
É preciso calçar o sapato
É preciso pegar o ônibus
É preciso ler o livro
É preciso assistir à profe
É preciso digitar a senha
É preciso dar a aula
É preciso fazer a prova
É preciso dormir o sonho
É preciso enviar o torpedo
É preciso ligar à voz
É preciso... É preciso....
É preciso acender os passos
É preciso perder o trabalho
É preciso postar o suco
É preciso dar o ônibus
É preciso digitar o sapato
É preciso ver o dinheiro
É preciso ganhar o almoço
É preciso ler o sonho
É preciso ligar a prova
É preciso correr o banho
É preciso cantar a pasta
É preciso comer o livro
É preciso... É preciso....
É preciso Viver

Viver? Não, risca o último. Acredito que para viver não sobrará tempo. Além disso, nem é tão necessário assim.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sunset

"Eu acho que Deus deve ficar furioso quando você passa pela cor púrpura, no campo, e nem se dá conta”

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Agora aprende!

"Every possible mistakes
Mistakes, mistakes, mistakes…"

Aprende, o valor e a importância de um silêncio. Prudência, meu bem, prudência.
Aprende, aprende sim, a não construir castelos na areia. Os sonhos, todos eles, são só sonhos.
Aprende, não importa quanta força ou vontade você tenha, é o destino que determina a vitória.
Aprende, as palavras valem pouco, ou quase nada, podem ser tão levianas que o vento as carrega.
Aprende, os homens não são confiáveis e tudo só se concretiza depois.
Aprende, os que torcem contra sempre tem força, mais do que você pode imaginar.
Aprende, eu sei que um dia você aprende. Você aprende quando tiver vontade de chorar e continuar com o rosto seco.
Aprende nas noites em que tenta dormir, mas as dúvidas pulam sobre o travesseiro.
Se você aprender, significa que já cometeu o erro.
Você aprende tarde, mas aprende.

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Puxa, o destino chegou bem a tempo com o erro, quase que ele se atrasa e deixa alguma coisa dar certo na minha vida.