quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

“É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais”

Peguei do chuveiro algumas lágrimas emprestadas e aí chorei de fora para dentro. Porque é o que você faz quando não consegue chorar.
E o que você faz quando começa a se perguntar se sua vida não estaria passando em vão?
Você tem tanto medo dessa resposta quanto eu?
E quando você começa a pensar sobre onde chegou até agora, não sente medo de enlouquecer?
Eu achei que já estaríamos além.
Eu acreditei em uma porção de sonhos bobos e ilusões infantis. Você também?
É, eu sei.
Eu acreditei que poderia fazer o que quisesse, ser quem eu escolhesse, lutar contra tudo, contra todos.
Mas de repente você percebeu, né?
Como lutar com ele, se seu maior inimigo só pode olhar em seus olhos quando você está em frente ao espelho.
Você pode ser diferente, não pode?
Quer dizer, você ainda pode ser quem escolher, não é?
Porque se você responder que não, eu não vou saber para onde ir.
Tudo que eu queria era poder acreditar que de repente, talvez numa manhã de sol, quem sabe numa noite sem lua, a felicidade ia chegar e perguntar se poderia ficar, aqui, comigo.
Se você ainda acreditasse eu poderia fechar os olhos e rezar baixinho, pedindo para que uma coisa, uma só coisa, desse certo na nossa vida.
Se você dissesse que era só agüentar um pouquinho, um pouquinho mais para ter o happy end, eu acreditaria.
Talvez em outro trabalho, em outra casa, em outra cidade, em outro dia...
Talvez a gente pudesse ser feliz, só um pouquinho que é para não sair da normalidade.

— Empresta-me mais algumas lágrimas, chuveiro, eu sou só um garotinho com medo de ter pintado o céu com o lápis de cor errado.




“• UMA VERDADEZINHA •
Eu não carrego gadanha nem foice.
só uso um manto preto com capuz quando faz frio.
E não tenho aquelas feições de caveira que vocês
parecem gostar de me atribuir a distância.
Quer saber a minha verdadeira aparência?
Eu ajudo. Procure um espelho enquanto eu continuo.”

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

E então é Natal?

"Quero ver você não chorar..."

Há quantos anos eu atrás eu estaria sentadinho na sala, já de banho tomado, com toda família reunida esperando Papai Noel?
E eu olharia a árvore, sempre tão bela, o presépio, sempre tão vivo, as luzes coloridas, sempre tão doces.
E depois haveria os presentes, a ceia, os sorrisos.
Eu era a única criança da casa, e a criança secou.
Hoje é tudo tão amargo, tão triste e sem motivo.
Se eu pudesse lhe desejava a magia dos natais que lembro ter tido na infância. Onde um homem de fantasia vermelha era o mais esperado da festa. Se eu pudesse lhe presenteava com todo medo e toda glória dos presentes e varas, das cartas e máscaras que eram o meu natal.
Num ano descobri que o Papai Noel usava relógio.
No outro, que minha mãe montava o pinheiro, não o bom velhinho, como ela sempre me dizia.
Daí a família foi quebrando, cada caco de um lado.
Vieram doenças, desavenças...
Deixei de ser criança, agora também compro presentes.
E gasto, não ganho brinquedos, não reparo nos brilhos.
Nem cheiro de bolinha de natal tem nesta casa.
Ah, que triste natal... Silencioso e incompleto.
Marasmento e infecundo.
O natal foi tão incorporado na vida que deixou de ser noite feliz.
Esta repetência que a cada ano ganha mais ares de decadência. Esta festa falida que felicita os mortos de um tempo feliz.
Ah, o natal...

Sentimento entre aspas

"Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás"

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Sem Som

"E o vento vai levando
Tudo embora..."



Às vezes é um ruído.
Um som de volume exato e qualidade repetida me põe bem perto da loucura. Balanço o corpo na beira do abismo, mas nunca caio. É um som comprido, bem batido, que se durasse um segundo a mais, ou dois...
Mas o som sempre pára no instante exato.
Pára, mas antes entorpece, emudece, enlouquece quase.
Um som do qual o silêncio me salva. É o silêncio que me mantém fora da loucura. Mas não o silêncio total, este sim ensurdecedor. Um silêncio alto o bastante para não me deixar ouvir o que os meus fantasmas sussurram para mim. Um silêncio incompleto que evita e sufoca o grito.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ausência

Estou ocupado.
Ocupado.
Muito, muito ocupado.
É que estou ocupado
Ocupado pensando
em uma boa desculpa
para não escrever.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Se não me vê, não entende

"Eu não escrevo o que quero, escrevo o que sou"


Eu sou uma pergunta cuja resposta não me compreende. Está morta.
O que eu sou não mora em mim, dorme do lado de fora. Algumas noites aprecia a lua, em outras manda ao inferno aquelas estrelas. O que eu sou é Barroco e contraditório, portanto não cabe nas formas perfeitas. O que eu sou não pode ser dito, é segredo de confissão, um dos tantos que a vida não disse. Jamais ousaria. Eu sou minha letra e tenho teu nome.
O que eu sou é reflexo nas sombras. É como um olhar de mudez incomparável, como balaustra de liquidez impenetrável.
O que eu sou é um cristal e estou quebrado. Eu sou as faces múltiplas de um espelho, ninguém sabe em quem me reflito. Não posso ser explicado, só sentido. O sentido foge também a quem toca e não sente.
Ninguém sabe o quanto existo e o quanto finjo. Há muitas formas de existir e todas elas têm um palco. Palmas, enquanto as máscaras permanecem rijas.
O que eu sou é inexplicável e incoerente. Como um céu no chão do abismo, um calabouço que dá ao nada e uma porta que não tem chave.
O que eu sou está trancado e escondido, porque à luz morreria. O que eu sou é o estado bruto que se liquefaz no ar insondável do meio-dia. O que eu sou não cabe na rotina, sequer acompanha os compassos de um relógio. Não tiquetaqueio nas horas vãs, sequer me afogo nos mares de companhia duvidosa. Eu sou livro que se lê escondido. Eu olho para os lados e, se não tem ninguém me olhando, vivo um pouquinho. Um pouquinho só, porque muito seria letal.
O que eu sou é uma ampulheta em contagem regressiva, é explosão de cacos de madeira viçosa. Eu sou a luta da manhã para deixar de ser noite. Eu sou a saudade da madrugada e o que eu sou não cabe em mim.

Números

“E eu... o que faço com esses números?”



O que faço com essa idade que ninguém me dá? O que faço com os anos que ganhei sem ter vivido?
O que eu faço com este copo de números, quanto tudo que quero é uma gota de letras?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Dia Griz

“Me espio de viés”

Hoje ninguém nasceu e eu te imagino em seu quarto, rodando as nuvens. Meu olho gira em redemoinho de dor descompassada. E tudo mofa, morre, depois suspira. Alívio.
A cabeça dolorida da noite, os olhos cheios de chuva, a nevralgia terna de existir. Socorro, eu cochicho baixinho. Você fecha a janela, entrou um vento tão frio... E eu sozinho no muro, desenhando em carvão aquelas velhas dores que não sei sonhar.
Porque quando fecho os olhos tudo é escuro. Carvão nos muros. Pálpebras quase palpáveis, dores memoráveis, porque viver é ir doendo.
E não me importa que apagues a luz, nem que desligues a música. Não me importa. No fim, onde estou é sempre escuro e silente.
Eu só queria ter minha caneta de volta, mas foi perdida com os prazeres dos gizes de cera.