segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Na ressurreição da carne

“O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever”

Agora descubro eu também que já não vivo.
Como um homem que perdeu a sombra e continua a andar sem ela, nu ao sol.
Eu sou nu ao sol do meio-dia. Nu porque a palavra me vestia. (Não veste mais?) Nu porque o verbo do qual se fez carne me entorpecia. (Não entorpece mais?) Meu Deus, meu Deus, quanto tempo se passou até que eu notasse. Até que andasse ao sol escuro do meio-dia e fosse ver na margem d’água que vida já não havia.
Sou solitário soneto morto.
Não escrevo. Não como escrevia. Escrevo com tinta, antes era com alma. Mas como escrever com alma se calma já não há? Estamos na lama e cada minuto é um respingo de gosto marrom e amarguento.
Porque escrever era todo meu sonho e todo meu torpor.
Escrever era meu vício, era meu ócio, era meu ósculo infame.
Escrever era estar vivo e sangrar em laios as gotas de vida. Uma vida não é possível longe da escrita. Porque só somos vivos em função do outro. Quando estou sozinho, então, se não escrevo, estou morto.
Simples e fatal como enlouquecer e acreditar na própria loucura. Porque é preciso ficar louco sem perder a consciência. É preciso escrever da morte, sem no entanto morrer.
Mas como morrer se já não se vive? Alguma coisa ainda pulsa dentro de mim, eu sei. ((Ou) Não pulsa mais?). Algum verme intocado se recusa a devorar minha carne, porque sabe que ainda há em algum canto a palavra maldita que vai rebrilhar e preencher de sangue esta morte inútil.
Porque é inútil, meu Deus, como é inútil morrer e ser triste num dia tão belo e com canetas à mão.

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