sábado, 24 de maio de 2008

Escritura de um Monólogo Falado

Porque eu me sinto preterido. Palavra bonita, aprendi com a professora. Mas é verdade, você prefere tanta gente ao invés de mim. Nem sei, sabe, se é mesmo ou só impressão... Mas eu tô sozinho, viu? Você tá com eles. É, eu sei que não tenho a mesma graça, os mesmos brilhos. Sou até um pouco triste. E as pessoas, como você também, gostam de ficar ao lado de gente alegre, né? Não de gente triste.
Dói. Sempre dói quando você me troca. Ah, mas é coisa que passa, então nem se preocupe. Passa e volta, mas passa. Daí que tá frio, né? Um cobertor também esquenta. Não quenem você, mas esquenta, tá? Eu tô rindo, mas é meu riso triste. Dê bola não. Ah, você tem tanto mais para pensar.
Coadjuvante. Palavra que eu nunca entendi direito, mas é um papelzinho menor, eu acho. Na sua vida sou isso, né? Engraçado, né? Você é protagonista da minha. Ah, mas eu já falei disso antes, então deixa pra lá. É que fica um vazio aqui dentro, que eu tento preencher com o som da fala. Preenche não. Mas passa.
Pois é, eu esperei você para jantar, mas você jantou com eles, então tá. Fiquei com um pouquinho de fome, uma dorzinha, como as outras. Passa também, né?
Então não ligue. Nem se importe muito. Ah, devo estar fazendo tempestade em copo d’água. Deve ser para chamar a atenção. Egoísta eu, né? Aprendi com a mãe.
Ah, mas assim, só queria mesmo saber que sou tão importante quanto eles, para você. Só para você, porque o resto já me provou uma insignificância permanente.
Era isso só, desabafar, sabe? Puxa, tá frio mesmo aqui, heim? Acho que vou pra casa.
Você queria ainda dançar? Ah, é, eles dançam, todos eles. É que eu não sei dançar direito, mas você sabia disso antes, não? Dança com eles, me importo não. É que a música tá alta também, né? Não gosto muito deste tipo. Cerveja? Não bebo não. Muito amarga, sabe. Mas eles ficam tão alegres quando bebem, e são tão bonitos todos os outros. Você fica bonita com eles.
Acho que vou embora, mesmo. Não, nem se preocupe.
O quê? Você não ouviu nada do que eu disse? Desde o começo?
Ah, deixa pra lá então. Só estou indo embora, tá?! Pode ficar, viu?! Eles já disseram que preferem quando você está sozinha, lembra? Pois é, eu atrapalho, quem sabe.
O quê? Ah, esquece, besteirinha minha.

Água tá Fria

Ághata, tenho uma só pergunta e depois vou embora. Por que você me odeia? Eu só queria saber quando você olhou para este meu rosto que, às vezes, chegou a ser quase bonito e decidiu dedicar todo resto de sua vida a acabar com a minha. Eu fugi das garras de teu sangue ruim, mas caí na cesta de teus frutos podres. Você não me deixou manter as ilusões, mostrou cedo demais que a vida não é boa. Você quebrou meus brinquedos, quebrou meus amigos, matou meus amores. E eu ainda nem tinha seis anos. Você tomou minhas ilusões, dizendo que eu aprendesse logo o quanto a vida é dura.
Mas a vida, apesar de você, era-me boa. Talvez isso tenha lhe ferido de morte. Eu vivia, apesar de você. Já pensou em quantas vezes poderíamos ter nos tornado diferentes? Hoje eu tenho seus brios de loucura e quase me reconheço nos rótulos dos seus remédios de faixa negra.
Esquizofrenia, depressão, distúrbios neurológicos, transtornos de ansiedade.
Você coloca todas suas culpas em mim. Eu as coloco em você. Sempre distantes, desconhecidos na mesma doença pestilenta que nos corrói deixando os nervos em frangalhos.
Eu grito, mas te entendo. Esta mesma dor, estes mesmos fantasmas, já os vi caminhar comigo. Mas fui forte, lutei e venci. És fraca, e te rendes então.
Hoje olho ao seu olho lacrado, seus hematomas e cortes. Um auto-flajelo que a deixa lacranada, com a única intenção de me ferir. Abre fissuras no teu corpo para me abri-las na alma.
Eu imagino teu choro doente, convulso de dor e de ódio, de mágoa e de pena. Sinto, porque também já chorei assim.
Ah, Ághata, querida. Talvez a pergunta seja outra: Por que você se odeia em mim?

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Resposta

E quando perguntarem, depois de há muito eu já ter ido, responda que eu amei o outono. E digam mais, falem de como ninguém mais era visto na rua, nesta época, com o mesmo riso bobo estampado na cara. Digam que eu amava ver o vento colorido e ouvir a romaria de folhas sussurrantes a me perseguir sem virar esquinas. Falem de como eram belas as árvores, vermelhas, laranjadas e amarelas. Digam que era bonito vê-las, aos poucos, perdendo as folhas e tornando-se estéreis garras erguidas a um céu azul. Ah, sobre o céu, não esqueçam de mencionar, que ao nascer e morrer do sol, ele ficava todo violeta. Falem que fazia frio, mas um frio moderado, não solitário, como o do inverno. Digam que eu sorria em frente ao espelho, enquanto desprendia pequenas folinhas do meu cabelo. Falem de como eu chutava as folhas na calçada, feito criança. Ah, quer saber? É outono demais lá fora para eu ficar aqui, escrevendo.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Querido

Elza respirou muito fundo desta vez. Tinha dias em que se distraía e essas distrações eram perigosas. Distraída, esquecia seus pensamentos de fêmea submissa e tinha ganas de atirar verdades à cara do marido. Será que ele não notava quem precisava de quem? O tempo não foi generoso com ele, nem um pouco. Enquanto a barriga ia crescendo os cabelos diminuíam, grandezas inversamente proporcionais. Era gordo, flácido, preguiçoso, sentado ao seu lado. Já nela, o caminhar dos anos fez com que desabrochasse a flor de uma beleza madura. Um rosto de traços fortes e expressões serenas. Possuía todo encanto e charme de um riso senhoril. Inspirava sua figura simpatia, admiração e charme, uma elegância que só a idade confere. Enquanto a aliança dele só poderia ser tirada mediante a serra do ourives, a sua sairia facilmente do dedo.
Elza meche, distraidamente, na aliança. Pensa em tirá-la. Depois é dizer todas as verdades. Quem, afinal de contas, você pensa que é? Deveria dar graças a Deus todos os dias por eu estar do seu lado. O espelho nunca lhe disse isso? Pois deveria. Onde está o homem lindo com quem me casei? Para mim chega! Olha só para mim, você acha que não recebo cantadas por aí? Acha que aquele rapaz lá do escritório já não me convidou até para ir conhecer seu apartamento?
Pára de pensar no que dizer. Imagina-se no apartamento, assistem um filme, ambos sentados no tapete. Comem pipoca e bebem um bom vinho. Riem juntos, tão próximos os dois... Olha para o marido. Pensa em uma música, um trecho dela: “Há tantas violetas velhas, sem um colibri”.
Para o fantástico final, depois do discurso, atira-lhe a aliança na cara e vai embora. Não. Tudo isso parece tão impróprio à sua natureza godiva.

Irá tirar a aliança, deixá-la sobre o toucador com um bilhete salmão: “Caríssimo, Cansei”. Isso seria mais poético e trágico. Nas condições atuais ele dificilmente conseguiria outra mulher, já ela... Lembra do rapaz do escritório.
Ela não precisa se submeter aos burros do marido, não precisa pedir desculpa cada vez que brigam, principalmente se ele estiver completamente errado. Ah, ele tinha que tratá-la cheio de dedos, pois precisava dela. Caso a perdesse veria que não existe vida além dela.
Elza respira fundo, novamente, livrando-se da distração e guilhotina o silêncio:
- Querido?
- Quê?
- Desculpe por ter sido um tanto estúpida ontem.
Ela nem sabia direito o que havia feito.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Bruxaria

Quanto a mais a conheço, mais me fascina. É aquela pele tão tátil que só vi nos retratos. São aqueles olhos, de brilho, que me fazem lentamente ensandecer. Não sei explicar toda revolução de sentimentos que ela me causa. Uma ânsia de perplexidade, uma revoada no escuro, um abandono no precipício.
Estar junto dela é viajar nas mazelas mais obscuras de uma alma, humana e atormentada. A dela, a minha. Sei que digo disparates para quem dela nunca provou, mas quem consegue, e não são todos, compreender a riqueza desta mulher morta, lhe cai em plena servidão.
Ela é a esfinge que me pára a cada esquina. Ela nunca é ponto final, sempre interrogação. Ela é tudo que se perdeu do meu melhor. Ela é o grito de silêncio que ecoa além das eras. É tudo que me pulsa de coração e vida.
Serena, feiticeira, um mistério que virou os tempos e foi trancado em uma gaveta. Há tantas pistas ainda a decifrar-lhe. Sei que estão escondidas nestas imagens. A menina que olha ao longe divagativa. A moça que fuma os sonhos cansativa. A mulher que nos contempla vingativa.
Não se percam como eu me perdi. Conselho amigo:
“Tome cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria.”

sábado, 10 de maio de 2008

Troca-se

Hoje passando, numa dessas ruas qualquer, pasta em alça transversal, transbordante de livros, casaco pesado nos ombros, vi um menino sobre o muro. O muro é novo. Não o fosse, certamente eu também já teria andando empilhado nele. Senti falta.
De repente me fiz tão velho, tão estudado, tão educado. Tão pouco louco, que entristeci. Queria subir nos muros, preciso de volta o tempo de trepar em árvores. Se me deixassem andaria pela quadra montado em meus patins, brincaria de bolhas de sabão na esquina, faria reflexo de espelho na casa dos vizinhos.
Morreu em mim umas ganas de fantasias e ilusões. Morreu em mim toda magia de uma infância, algumas vezes perdida. Porém, a vontade de pular no balanço, de jogar amarelinha, brincar de esconder enquanto a noite cai, permanece.
Estou grande demais para tanta coisa. Queria ser pequeno. Troco minha faculdade pelas brincadeiras nas construções, troco meu computador pela nave espacial de faz-de-conta, troco meus rancores para sentir novamente aqueles momentos na casinha do tanque.
Troco todo meu entendimento de mundo pelo gosto borrachento de um sorvete seco. Onde fica, me respondam, a seção de achados e perdidos da vida? Quero ir lá ver se encontro o menino loiro, lindo e sério que fui.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Please Die Ana

Uma música calma embala seus sonhos para muito além das nuvens frias. Um estranho amor em forma de anjo a carrega em seus braços e leva pra mais perto do céu. O frio, as estrelas, tudo é somente música. Uma lágrima escorre, mas ela já não pode ferir. Aquele som, aquela letra, aquela música, tudo era somente para ela. Por isso que chorava sem saber.
Agora ela anda, procurando em algum lugar uma sombra daquele menino, procurando em outras bocas aquela que nunca tocou. Desencontros, encontros e uma música suave sempre ao fundo. Notas em dó que a fazem voltar a um tempo que poderia ter sido feliz, tão feliz. Agora é tarde, outra criança longe de quem queria estar.
Ela chega em casa, a mesma casa de sempre. Não há o perfume dele nos corredores, não há sua voz enchendo o quarto, a bicicleta não desce a ladeira e nada de cartão escarlate. O vento lhe tem dó, mexe nos cabelos, mas logo enterte-se mais com as folhas no passeio. O amor não sabe esperar, aprende agora, tarde. Onde estará sua outra parte, seu brilho de prata? Ria, alto e falsamente, caso contrário, criança, poderás chorar sozinha à noite, no seu quarto.
A música agora é lamento, fúnebre canto de negra sereia. O mar esconde quem queria ver. Por quê? Se você tivesse agido certo, se você não tivesse fugido ele ainda estaria aqui. Tristesse é nome de rocha de sal que tem nela gravado o nome seu. Uma estrela cadente marca seu destino de páginas rasgadas. Ele se foi e não vai mais voltar. Não vai não.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Dúbia

Foi nesta brumosa manhã que Clarissa decidiu, por fim, a vida.
Foi nesta brumosa manhã que Clarissa decidiu pôr fim à vida.
Subiu os dez andares pelo elevador e atirou-se aos braços dele.
Subiu os dez andares pelo elevador e atirou-se aos braços Dele.

Lygia, sentada comigo ao ônibus, assim me disse: “Somos retratistas de uma época”. Discordo, irmã. Somos antes criadores desta época. Somos nós, os escritores que semeamos a vida e a temos em nossas mãos. Vejam logo acima os dois inícios de Clarissa, eu disse e ela existiu, é o verbo se fazendo carne. Apresentei também dois finais. Talvez algum leitor apressado nem tenha percebido as sutis diferenças. Sutis para nós, que o diga Clarissa.
Seriam os deuses escritores? Sim, nossas mães Moiras não teciam, escreviam. Foi algum erro na tradução dos originais. Sabes de onde vem a palavra “texto”? Pois então. A primeira entregava o papel, a segunda escrevia e a terceira os rasgava.
Criamos pessoas, escolhemos destino, semeamos atos, pesamos conseqüências, amarramos desenlaces.
Que assim o seja.
E lhes proponho, escolham um início e um fim, destes que ali propus, que lhes dou a história de Clarissa... Afinal, precisamos de motivos para cada um dos dois atos.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Dos Blogs

Criador de Pesadelos
Dark Angel
Intrincare
Suas Respostas
Anjo Maldito
Velline
Sortilegium
Anjo Maldito

Eu andei em tantos caminhos, tantos lugares. Espalhei meus escritos, como se fossem cinzas, ao vento. Em cada esquina, cada dobra, pixado no próximo muro há uma frase, um verso, quiçá um poema. Eu risquei as avenidas, empilhei os cascalhos e fiz prosa nos paralelepípedos.
Não adianta. Eu sempre volto às nuvens.
Foram infinitas as vezes que eu reclamei dessa alcunha de Anjo Maldito. Que não me servia mais, que pertencia ao passado, que me amarrava a um só tipo de design.
Mas de repente, chegou o momento de perceber que estas penas de Anjo já estão entranhadas nas minhas carnes. Por mais que eu tentasse, por mais que corresse, por mais que eu quisesse, e eu não quis, seria impossível fugir desta sina.
Tentativas perdidas, blogs alheios, nenhum outro me pertenceu. Volto, não ao princípio, mas ao definitivo de todos os blogs que tive: Anjo Maldito.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Boring

Se eu soubesse onde me perdi talvez pudesse aventurar o caminho da volta. Talvez esta luz gélida me mostrasse o instante do erro, o segundo exato em que numa indecisão, insípida talvez, eu escolhi isto.
Se bem que, na verdade, eu não tive escolhas, não claras. Tudo foi se encaixando de tal forma, como num jogo de montar, que qualquer outra saída seria absurda. Mas chegamos em um determinado ponto em que é impossível ver o começo da estrada, sigamos, então.
Já é muito tarde, escrevo coisas bestas, não me vem a inspiração, não me vem a vida, não me vem a noite. Justo eu, que tinha tantas aspirações, agora caminho entre folhas brancas, telas brancas, flores brancas, lírios, talvez.
E tudo é tão incerto, desquitado das pencas de ilusões que eu carregava onde quer que fosse. Eu deveria estar ali, qualquer passo adiante, qualquer sonho contente, qualquer visão duradoura.
O dia frio, a água quente, um banho como missão de sentido existencial.
Meu Deus, se você acreditasse em mim estaríamos perdidos.