quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

...ou me devoro.

Eu queria escrever, mas parece que esvaziou-se a inspiração. Como se lá, aos quinze anos, eu tivesse um manancial ilimitado de temas, de textos, de frases bonitas e de efeito. E, agora, aos 32, me restasse uma bacia vazia, com um leve toque de umidade no fundo, que eu insisto em tentar lamber.

Procuro na internet por plots gerados automaticamente, por desafios como aqueles que precisam incluir café, bola e azul no mesmo texto. Não encontro. Ou, se encontro, não me encontro diante do que é gerado. Ouvi uma palestra, certa vez, em que um autor afirmava que esses desafios criativos obrigam nosso cérebro a pensar em soluções pouco convencionais e, assim, instigados, somos capazes de ir além, de pensar fora da caixa e, quando vemos, a obra surge.

Nada surge daqui. Mais do que da palestra, me lembro agora da minissérie Maysa, exibida na Globo há alguns anos. Lembro muito bem da cena em que a protagonista se perguntava se precisaria cantar as dores dos outros, tendo tantas que são suas. Eu estou assim também. Será que preciso encontrar a inspiração fora, tendo tantas histórias minhas para compartilhar? Ou será que o mecanismo que convertia minhas misérias em textos se quebrou de tanto ser criticado?

É mais fácil pensar assim. Pensar que já me disseram tanto que eu me expunha demais que me fizeram calar para sempre, como fazem calar as crianças na escola, que aprendem desde cedo a não erguer o braço para perguntar. Trinta e dois anos, um doutorado nos ombros e escrevo em um blog, feito um adolescente qualquer. Um blog que não divulgo, que não quero que vejam, que prefiro que acreditem morto e bem, muito bem enterrado.

Talvez eu devesse usar um diário para isso, como aquele, com arquivo criptografado no meu desktop. Talvez eu devesse escrever a punho, mas como se isso não impede que me leiam em casa? Ou eu me exponho demais, ou me invadem a privacidade inteira. Não há meio-tom. 

Escrevo e a sensação dos dedos batendo no teclado me fazem lembrar de outros tempos. Tempos em que eu assistia seriados na Globo, escrevia ao entardecer e, assim, conseguia me entender. Conseguia fazer sentido. Porque, sinceramente, eu não tenho sentido mais. E, aqui, "sentido" adquire o caráter tanto de verbo quanto de substantivo. Eu não tenho mais uma explicação, um motivo para seguir. Entende?! Não na vida. Não estou falando aqui em suicídio. Estou falando que não tenho sentido enquanto sonho, direção. É isso? Também não sei. E, ainda, não tenho mais sentido as coisas plenamente. Sem usar as palavras para descrever meu peito, é como se ele estivesse vazio de qualquer sentimento. Como se ele só batesse, autômato, porque bater é a sua missão e foi esta a ordem dada no início dos tempos: bata! E ele bate. E eu apanho, sem compreender o porquê.



"Como é que eu vou poder cantar se a minha dor está envergonhada, está fora de moda, está parada pra pensar.
Como é que eu vou contar as minhas tristezas se elas estão tão enroladas que nem eu mesma sei.
O que foi que restou da minha vida?
Onde estão as minhas mágoas?
Onde é que eu estou?
Será que eu vou ter que cantar a tristeza dos outros, tendo tantas que são minhas?"

trecho da série, publicado aqui em: 09/01/2009


terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Quanto mais as coisas mudam...

Você já se pegou preso nas suas próprias palavras? Como se elas formassem uma jaula, uma armadilha, uma camisa de força, uma poda às raízes, algo que te impede. Impede de sair para o mundo, de crescer, de fazer a diferença, na sua própria vida, inclusive.

Você faz planos, você tece ideais, você cria sonhos depois de sonhos em suas noites insones. Você imagina o que faria se tudo desse certo, o que conseguiria se as coisas mudassem agora, hoje, por um golpe de sorte, por uma bênção de Deus, por uma graça da Fortuna. Você imagina. Você planeja. Você cria mil universos alternativos e tenta atravessar para cada um deles.

Mas você quer isso de fato? Você quer, com todo seu coração, que a mudança venha? Ou você está preso. Preso nos cômodos cômodos da sua própria vida. Preso na casa que você se construiu e nos problemas que você gosta tanto de acariciar. Amarrado nas palavras que você usa, na cantilena de suas reclamações, que é chata, é demorada, é repetitiva, mas pelo menos faz você dormir.

Nos prendemos em nossas palavras e, ao mesmo tempo em que ansiamos pela transformação, não queremos que nada mude. Enriqueceríamos na loteria, mas continuaríamos a ir trabalhar na segunda-feira. Para disfarçar, diríamos no começo, tentaríamos nos convencer. Para ninguém suspeitar que fomos nós quem ganhamos tantos milhões. Mas e depois? Depois viriam outras segundas. Eventualmente, poderíamos desistir. Por um incômodo qualquer. Mas talvez relevássemos. Talvez, acostumados que estamos, relevássemos mais isso. Para quê? Para podermos continuar. Para nos mantermos fiéis às palavras que costumamos usar, às queixas que aprendemos a ter.

Seríamos milionários, acreditando que o dinheiro não traz felicidade. Seríamos milionários e moraríamos na mesma casa. Ou, quanto muito, na mesma cidade. Seríamos milionários e viajaríamos nas férias para o litoral. Santa Catarina. Nordeste no máximo. Seríamos milionários, mas seríamos nós e não pode haver desgraça maior do que esta. De que vale tanta mudança, se não nos mudarmos para Bali para criar carneiros? De que vale tanto dinheiro, se não abrirmos um estúdio de tattoos na Califórnia? De que adianta sermos milionários se não perdermos tudo na bolsa, investindo em ações de uma fábrica de camarões sintéticos, somente para pularmos de um prédio de Shangai depois?

De que valeria mudar tudo, se nós ainda fôssemos os mesmos? 


terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Palavras

As palavras são negras. E assim devem ser. As palavras me mancham de tinta. Há chumbo nela e eu me contamino. Desde sempre. E assim deve ser. Eu escolho quais palavras escrever. E escolho as piores, quando é sobre mim que falam. Escolho as palavras que Ághata me diria, se não preferisse sempre me ferir com seu silêncio.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

The loser takes it all



I don't want to talk
About the things we've gone through
Though it's hurting me
Now it's history
I've played all my cards
And that's what you've done too
Nothing more to say
No more ace to play


Ontem à noite, antes de dormir, eu revisitei minha vida. Ano a ano. Momento a momento. Foram 32 cenas. 32 dos momentos em que já me senti mais sozinho na vida. Eu bebê, sendo abandonado pela minha mãe - desculpe, não há outro verbo que eu consiga engolir aqui -, eu sendo castigado pela Ághata, eu sendo desprezado pela primeira menina que eu amei, eu voltando do acampamento com um conhecido, eu no momento em que soube da morte do meu pai. Muitos eus, enfim. Eu visitei e abracei um por um. E foi reconfortante. Reconfortante porque, hoje de manhã, enquanto eu estava aqui no IF e preparava um chá preto para mim (estou fazendo escolhas melhores agora, ou quase), eu pensei na solidão disso tudo, na minha vida do jeito que está, na instabilidade que eu sinto se aproximar por todos os lados. E pronto. Eu me senti visitado, me senti abraçado, valorizado, de algum jeito, eu me senti visto. Visto por um eu futuro. Um eu que vai poder se lembrar disso um dia e voltar aqui, pelo menos em lembrança, e me abraçar forte por um segundo ou dois.


The winner takes it all
The loser standing small
Beside the victory
That's her destiny

E então me veio toda a vontade dessa música. Pelo ritmo, mais do que pela letra. Pelo ritmo e pela voz da Carla Bruni, que sempre me fez viajar. Eu reconheço minhas paixões pelas minhas trilhas sonoras e quem as guia agora é "Nine millions bicycles" e tudo que vem com ela. Apaixonado é uma palavra forte ainda, confusa ainda. Mas acho que é a palavra certa. Porque a paixão é intensa. Porque a paixão é insana. Porque a paixão nos faz confundir bem e mal, nos faz odiar tanto quanto amar. Acho que é isso, então. Acho que estou apaixonado por mim. De um jeito instável. De um jeito melancólico. De um jeito autopiedoso até. Mas isso é melhor do que o desprezo de todo. Coloquei o fone, dediquei a música a mim, enquanto a água se tingia com o chá.

I was in your arms
Thinking I belonged there
I figured it made sense
Building me a fence
Building me a home
Thinking I'd be strong there
But I was a fool
Playing by the rules


Uma cerca, uma casa, meus muros, minhas regras. O que esse eu futuro vai pensar do meu eu passado? Desse de agora, daquele que, adolescente, começou isso de blogs? Ele vai saber que ainda somos o mesmo? Que ainda temos os mesmos dramas? Que a gente ainda luta contra as grades, mas ai de quem tentar tirá-las de nós? Eu jogo pelas mesmas regras desde sempre. As minhas regras, que agora já não me machucam mais. Agora que eu já entendi que comigo é assim. Que eu nunca vou ter a vida das pessoas nos filmes. Nunca as histórias dos livros. Porque, na ficção, sempre há redenção. E eu no fundo nem a quero. Só fui convencido, em algum momento, de que a queria. Está tudo bem em se abraçar sozinho, se é assim que você se sente menos tenso, confortável.



The gods may throw a dice

Their minds as cold as ice

And someone way down here

Loses someone dear

The winner takes it all
The loser has to fall
It's simple and it's plain
Why should I complain


Sempre que escutei essa música, me identifiquei com o loser.  Não é engraçado como somos preparados para isso? Para perdermos e acharmos bom? Nos desenhos, nas fábulas, nos filmes. É sempre do coitadinho que aprendemos a gostar. Desde a tartaruga e a lebre. Ah, mas ela é a vencedora! Sim, mas só para nos fazer gostar mais de quem tem tudo para perder. Eu ouvia essa música hoje e me lembrava dos desenhos, do Papa-léguas, do Tom & Jerry e todos os outros dessa mesma linha. O papel de vítima e predador invertidos. O Coiote, o Tom, sempre como losers. E era sempre com eles que nos identificávamos. Não, não queríamos que eles comessem suas presas. Mas cada frustração aceita, teimosamente aceita, era uma lição nossa, uma lição de continuar mesmo caindo de todo penhasco possível. Mesmo não conseguindo jamais. Jamais. Porque havia em nós a certeza de que eles não venceriam. (Como nós.(?))



But tell me does she kiss

Like I used to kiss you?

Does it feel the same

When she calls your name?

Somewhere deep inside
You must know I miss you
But what can I say
Rules must be obeyed

Hoje eu não quis me identificar com o perdedor. Hoje eu quis ganhar tudo, levar tudo, pegar tudo que há daquilo que já perdi. Hoje eu não quero falar do que foi, não quero voltar e arrancar cascas de feridas que já viraram cicatrizes. Não há mais o que fazer nesse sentido. Então vou pegar tudo, carregar tudo que aprendi e ser vencedor, nem que seja sobre mim mesmo.



The judges will decide


The likes of me abide

Spectators of the show

Always staying low

The game is on again

A lover or a friend
A big thing or a small


The winner takes it all


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Post Confuso...

Hoje, não sei por que cargas d'água fui parar em 2004. Fui parar no início deste blog, ainda em outra plataforma, ainda cheio de sangue pingando e caveiras e cemitérios. Ainda quando eu acreditava que seria escritor e que teria minha vida inteira transformada pelas palavras. E tive. De certa forma tive. De certo modo eu consegui mesmo viver em função da escrita, embora não do modo como imaginava lá.

Entre os textos, um deles me chamou a atenção. Porque, na época, não era para mim. Agora é. Agora eu senti mesmo como se ele fosse uma mensagem minha para mim. Sabe como é?! Como aquelas cartas antigas que escrevemos para nós mesmos e escondemos, na esperança de encontrá-las algum dia no meio de um livro velho e empoeirado.

Estou me perdendo no discurso. Estou sendo clichê desde o começo. E não me importo. Minha escrita hoje tem sido muito cuidada, muito educada, sentada de pernas fechadas e mãos sobre o colo. Sem mexer em nada. Minha escrita aprendeu a ser acomodada. Aprendeu a sorrir para as visitas, polida, muito polida. Mas pouco prática, pouco espevitada, pouco espiritualizada. Minha escrita ficou asséptica. Ela que antes era toda alma. Minha alma.

Volto para cá, de novo. Em perdão das redundâncias. Volto porque ninguém mais vem aqui. É casa vazia no meio do nada. Casa na qual eu posso gritar e gritar e gritar. Ninguém escuta. Volto e volto lembrando dos caminhos que eu fazia. Dos Posts Confusos, por exemplo, em que eu enveredava em assunto atrás de assunto atrás de assunto. Acho que é isso que está nascendo aqui. Porque não me controlo mais e tudo vai fluindo, brotando, natural pela primeira vez em muito tempo. Eu sinto que poderia passar o dia inteiro aqui, escrevendo sem parar, sentindo o gosto amargo que tenho na boca, o frio dessa sala do IF, olhando de soslaio para a caveira sobre a mesa que não é minha mesa e pensando em tudo que ela me tirou durante este ano. Ou melhor, em um só dia.

Do Vinícius de 2004, veio isso:

Estou escrevendo só para dizer que sei como você se sente, a confusão faz parte de nossas vidas, mas tudo muda um dia, por isso, melhor não desanimar. Na próxima noite, quando a Lua nascer nessa terra distante, e próxima que te encontras saiba que fui eu que pedi para que ela iluminasse tua vida. E se nessa noite a Lua não aparecer, não temas pois até ela preferiu deixar que nosso amor se concretize no momento certo. Apesar de não te conhecer, sinto sua falta. Saberás que é para ti no momento em que ler. O destino se encarrega de certas coisas quando os sentimentos são verdadeiros. Nem sabes o quanto queria fazer parte da tua vida, porém, como não posso espero, espero para ter-lhe em meus braços novamente, como da última vez. Espero que olhes para a Lua, mas espero também que sintas o vento. Sim, isso mesmo, mandarei também o vento para acariciar sua pele. Logo depois de ler isso, vá até uma janela, o que sentirás é um beijo, transformado em suspiro e levado atá você pelos Silfos. Não se sinta sozinha. Estou ao seu lado, basta você notar...

Ele sabe como eu me sinto. Eu sei como ele se sente. Ainda somos o mesmo em tantos níveis, tantos. Ainda somos a mesma esfinge sem mistério. Ainda tentamos impressionar. Ainda procuramos, desesperadamente, por um amor. Um amor próprio. Ainda temos alguma crença em luas que iluminam vidas. Ele não me conhecia, mas sentia falta de mim. Eu não o esqueço e sinto saudade dele. Eu soube. Soube no momento em que eu li que esta mensagem não era para uma menina qualquer da época. Era para mim mesmo, hoje. O destino se encarregou de trazer o texto para mim. Eu prometo reparar na lua, que nem sei em que fase está. Eu prometo me deixar beijar pelo vento, em vez de reclamar da sujeira que ele traz. Eu vou até a janela, assim que puder. Mas não sei se consigo me sentir menos sozinho. Menos desamparado.

A escrita faz isso. A escrita fez isso por mim em grande parte da minha vida. Desde 2004 e antes, muito antes. Eu conseguia colocar na tela o que tinha na alma. Agora não sei se consigo ainda. Tudo me parece muito privado. Eu me pareço muito fechado. E se alguém ler? E se alguém vir? E se alguém me julgar? O meu menino de 16 não se preocupava com isso. Ele queria ser visto, ser lido, ser comentado. Ele estava ansioso por isso. Eu não estou mais. Ou estou ainda, só que de um jeito diferente. De todo modo, nós dois queríamos sumir. Nós dois fugíamos das fotos e dos espelhos. Nós dois lidávamos com o que  não podíamos entender, enquanto flertávamos com a morte e fingíamos saber alguma coisa sobre ela.


 

terça-feira, 8 de maio de 2018

Estrelas de artifício

Volto para casa, sozinho outra vez, e as luzes nas antenas são estrelas de artifício que me fazem lembrar você. Elas não entendem porque são tão sozinhas, essas luzes, pontos fixos e distantes uns dos outros. Enquanto isso, elas olhas, na imensidão acima, todas as outras estrelas, as de verdade, quase se tocam. Elas não sabem, as estrelas de artifício, coitadas, que lá em cima a solidão ainda é maior. Que o que parece próximo, pontas quase se tocando, pode estar a anos luz de distância. Elas não sabem, e você não sabe também, mas a minha solidão é maior do que a sua. Porque em você existe, meu bem, a possibilidade.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Gueixa


Não aguento mais cumprimentos vazios. Com sorrisos então? Não! Não quero ser uma gueixa leve que sorri e reverencia a cada um que passa e ergue dois dedos do volante. Eu quero mais.

Eu quero um toque que não seja de recolher. Eu não quero ser inalcançável. Mas como se desce do pedestal? Contornando a chuva e o vento. Como se pega o mundo e morde? Sorrindo. Mas meu sorriso é só mostrar de dentes. Como um cão que ladra, ladra, ladra. Não mordo nunca? Morder a quem. Morder a quem não é muda pergunta. É minha resposta.

Pelo menos uma vez por dia eu ouço tocar uma mesma música. É a sua? Eu não posso dizer. Pelo menos uma vez por semana eu chamo pelo Superman. Pode ser você? Não posso dizer. Isso é o que me tece por dentro. Isso é o que me embrutece e me faz acenar, como gueixa, com um sorriso falso para cada um que passa.

Nem grito, nem choro. Nem terno, nem nu. Meio morto, meio termo. Vou acenar se você passar.